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A MORTE DE MARIELLE ECOA POR MUDANÇA

04/04/2018 | às 15h50

Por Érico Brás*

Duas semanas passaram-se da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Enquanto a polícia mantém sigilo completo na investigação, a notícia vai perdendo espaço nas manchetes dos jornais. Outros crimes covardes contra jovens pretos da periferia são notícia passageira e pouco a pouco a rotina naturaliza a barbárie.

O Brasil é o país das Américas que mais mata defensores de direitos humanos. Mas, até agora, estávamos acostumados a ver isso acontecer em rincões remotos, em conflitos na zona rural, com lideranças indígenas e trabalhadores rurais. O assassinato de uma deputada estadual, negra, no Centro da segunda maior cidade do país, da Cidade Maravilhosa, ocupada pelas forças armadas, ganha outra dimensão. Se a luz antes era amarela, agora é vermelha.

Por que escolheram Marielle? Quem são os mandantes? A quem interessava a morte dela? São muitas as perguntas, mas de uma coisa não temos dúvida: foi a certeza da impunidade que fez o assassino apertar o gatilho. No Brasil, ser mulher, pobre negra e favelada é praticamente sentença de morte. Quase 80% dos jovens mortos nas periferias são negros, em idade produtiva, de 14 a 29 anos. Entre as mulheres, a mortalidade de  negras  subiu 22%, enquanto a de não-negras caiu 7,4%, entre 2005 e 2015. Na maioria das vezes, esses crimes são arquivados, sem responsabilizar os culpados. O negro quando não morre é preso. Quando não é preso, é sentenciado ao descaso.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão na América. E isso só foi feito em 1888 por conta da exigência dos países estrangeiros. Desde então, os negros se mantêm à margem da sociedade, desamparados pela Justiça, fora da liderança das empresas, das universidades, da comunidade científica, das tribunas políticas… Até hoje não concluímos o processo de abolição, que apenas começou com uma assinatura no papel. Não por acaso, as periferias estão cheias de descendentes de escravos. Não por acaso são os negros e mulatos que ocupam os sinais de trânsito vendendo balas e pano de chão. O Brasil tem uma dívida com seus afrodescendentes e a morte de Marielle também grita por isso.

Movimentos pedem o esclarecimento do assassinato e a punição dos culpados, ocupando as ruas e as redes sociais, não só aqui como em vários países do mundo. Hoje, a comunidade internacional de novo pede providências ao Brasil para a repreensão de um crime covarde. Toda essa comoção mostra ao governo que violações assim não serão mais toleradas. A morte de Marielle grita por justiça, por direitos, por mudança. A morte de Marielle grita acima de tudo por inclusão!

Érico Brás é ator e conselheiro do Fundo de População das Nações Unidas, agência da ONU líder em temas de demografia, juventude e saúde sexual e reprodutiva. Nascido em Salvador, iniciou aos 8 anos de idade sua relação com o teatro. Engajado em temas de juventude e raça, participa no canal no Youtube da web série “Tá Bom pra você?” (criada pela mulher, Kênia Maria, e a filha Gabriela Dias), que trata da questão racial com humor inteligente, graça e leveza. Com participação em séries e programas de TV, Érico Brás busca estimular o debate e a reflexão sobre diversidade.

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