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A outra versão: “Rapazes mortos pelos policiais estavam desarmados”

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Redação Correio Nagô

As investigações sobre a ação policial ocorrida na semana passada (06/02), no bairro do Cabula, que resultou na morte de 12 pessoas, estão sendo apuradas pelo Ministério Público (MP). A PM diz que os suspeitos estavam armados e iriam assaltar uma agência bancária da região. Segundo testemunha, os rapazes que foram pegos pelos agentes policiais não portavam armas. “Foram muitos, muitos tiros de uma só vez nos rapazes que estavam desarmados!”, contou um homem para o jornal Correio. Amanhã (11/02), a Campanha “Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta”, junto com grupos de familiares, movimentos sociais e pessoas que estão sensibilizadas com o caso, vão fazer um ato no local onde os jovens foram mortos. “Serão deixadas 13 coroas de flores no campo onde aconteceram as mortes. Vai ser um cortejo fúnebre, diz, para o Correio Nagô, o diretor do Mídia Periférica, Enderson Araújo. O encontro que sairá amanhã (11/02), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Cabula, está marcado para as 14 horas.

Familiares e amigos de Natanael de Jesus Costa, 17 anos, Vitor Nascimento, 20, Everson Pereira dos Santos, 26, Caíque Basto dos Santos, 16, Jeferson Rangel e Agenor Vitalino, 19, jovens mortos na execução, lamentam o ocorrido. “Eles estão botando medo, enfrentando a gente com armas. Os meninos protegiam a gente. A gente tem medo é da polícia”, disse uma mulher que mora no bairro há 59 anos. “É uma injustiça. Eles têm que pagar. É tudo mentira o que estão dizendo”, fala outra mulher para o Correio solicitando anonimato.

O governador da Bahia, Rui Costa, defendeu o posicionamento dos policiais. Para o site Metro, ele disse, na última sexta-feira (06), que os agentes não receberão punição. “Nenhum policial será punido pelo ocorrido, pois não há indícios de crimes”, informou. A coordenadora dos Direitos Humanos do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), Vilma Reis, condena a atitude do governador. “13 histórias e o destino de 01 partido político sendo jogada numa vala de sangue por seus próprios dirigentes. Para eles, foi mais fácil rearticular o carlismo na Bahia do que salvaguardar Direitos Humanos de pessoas negras”, pontua.

A ex-professora de teatro de Everson dos Santos, Nida Amado, lamentou o acontecido com o ex-aluno dela. Ela, que estava comemorando o ingresso de outro aluno dela na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), relacionou o destino dos dois jovens. “É um tanto desolador ver dois alunos talentosos com trajetórias distintas; um é o brilhante ator de filme Trampolim do Forte, tornou-se educador e acaba de entrar para a universidade e o outro foi executado pela polícia. E essa gente que gosta do discurso da meritocracia vai arbitrariamente dizer que um foi esforçado e outro não; um escolheu entrar para a universidade e o outro ser executado. Cabe ainda se perguntar o que o Estado tem feito de substancial por esses jovens? Cadê a política pública para a juventude baiana?”, conclui.

Uma outra docente de teatro de Everson, Patrícia Silva, não pôde falar com a equipe do Correio Nagô, pois estava em sala de aula, mas diz que está muito “abalada” com a notícia.

A cobertura da mídia – O escritor Davi Nunes, 30 anos, faz uma crítica à forma que a imprensa veiculou informações sobre as mortes desses jovens. “A imprensa com seus “bocãos” desseca os corpos dos mortos para publicizar notícias de sangue e classificar como bandido qualquer criança, qualquer jovem, qualquer homem negro assassinado na periferia”, narra. Jefferson Lima, comentarista do Brasil 247, diz que a mídia compactua com a criminalização de jovens negros da periferia. “A escolha das nomenclaturas, das manchetes e a abordagem das informações transmitidas transformam, aos olhos dos leitores, os jovens das comunidades em um grupo perigoso”, comenta.

De acordo com o A Tarde, Davi Gallo Barouh, José Emmanuel Araújo Lemos, Ramires Tyrone Carvalho e Raimundo Nonato Moinhos são os promotores responsáveis pela investigação do caso.

Confira na íntegra o texto da professora de um dos jovens executados

Por Nida Amado

Estava comemorando com um aluno seu ingresso no curso de licenciatura em Teatro na Universidade Federal da Bahia. Um sentimento de orgulho despresunçoso e um pouco vaidoso preenchia meu coração. Entre os 14 e 17 anos de idade fui educadora de teatro da molecada do meu bairro, ainda estava em formação, mas eu insistia em acreditar que tinha algo a ensinar sobre o teatro da vida. Eu sabia que não era tão boa atriz assim, gostava mesmo era de escrever roteiros teatrais sobre infância, drogas, violência, gravidez na adolescência etc.

Voltei para casa orgulhosa ao ver se frutificar, em meu aluno Lúcio, parte das minhas ideias e sonhos da adolescência. Estava pensando sobre a importância dos professores na vida dos alunos, quando me deparei com a foto de outro aluno do teatro estampada no jornal totalizando a somatória dos 13 jovens negros executados no bairro do Cabula- Salvador, baixei a bola e comecei a pensar na insignificância de ser educadora dentro desse sistema genocida, racista e interruptor de sonhos. É um tanto desolador ver dois alunos talentosos com trajetórias distintas; um é o brilhante ator de filme Trampolim do Forte, tornou-se educador e acaba de entrar para a universidade e o outro foi executado pela polícia.

E essa gente que gosta do discurso da meritocracia vai arbitrariamente dizer que um foi esforçado e outro não; um escolheu entrar para a universidade e o outro ser executado. É importante lembrar que não está em debate se os jovens executados eram infratores ou não, a questão é que o Estado os exterminou ilegalmente e feriu seus direitos garantidos na constituição. Cabe ainda se perguntar o que o Estado tem feito de substancial por esses jovens? Cadê a política pública para a juventude baiana?

Eu e minha amiga Patricia Silva, também formadora do jovem executado, vimos de perto no olhar e na postura desse menino sonhos e alegria, fazendo arte e lutando contra a lógica da criminalidade, mas é quase enlouquecedor ir de encontro com todas as armadilhas projetadas, aqui é terra do ‘salve-se quem puder’, isto é, salva-se quem tem família com um mínimo de estrutura educacional e psicológica, quem estuda em boas escolas, tem espaços de lazer, emprego e mora fora do perímetro da desassistência.

Esses lombrosianos não sabem o que é viver na favela, é muito bom ser turista, soteropolitano branco e rico para curtir as reformas no Farol da Barra, pular carnaval e ficar da janela dizendo que “bandido bom é bandido morto” aqui na favela não tem quadra poliesportiva, não tem lazer, as escolas de educação infantil e fundamental são péssimas e mesmo que você queira estudar a cultura organizacional do bairro dificulta. Aqui na favela, como querem essa gente do tipo Governador Rui Costa, que gosta de metáforas, não matamos leões para vencer desafios, aqui somos os próprios leões querendo sobreviver diante de tantas dificuldades.

Eu evitei ler notícias sobre o caso da chacina no Cabula, sei lá… talvez uma estratégia inconsciente de evitar dores psicológicas, mas já estava sentido-me um tanto alienada e irresponsável por não tomar partido diante do debate iniciado nas redes sociais, uma hora tive que ler as notícias e fui desapontada ao ver a foto do meu aluno estampada naquela capa de jornal, aí fui tomada pela minha pequenez e insignificância enquanto educadora e pesquisadora diante dessa engenharia que é o racismo. Para quê tudo isso? Se a gente faz e o sistema desfaz? Quando a gente começa a acreditar que é possível eles nos mostram que ainda temos muito pelo que lutar.

Definitivamente é impossível pensar a formação de professores para as relações raciais e desconsiderar o projeto de limpeza racial encampado pelo Estado.

Meu aluno executado pela polícia foi um desses da foto, agora quero que me digam qual deles é o bandido altamente perigoso que merece morrer? Estou vendo crianças talentosas e sonhadoras, porém desassistidas, as quais têm, todos os dias, suas vidas ceifadas por esse Estado genocida e racista.

Atualização 17/02/2015: segundo informações enviadas a nossa redação, o protesto foi organizado pelo grupo Reaja
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