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COTAS NA USP

Por Caetano Ignácio

O último 4 de julho foi um dia histórico. A USP aprovou as cotas sociorraciais em seu vestibular. Finalmente! Seria engraçado, se não fosse trágico. A universidade mais avançada do Brasil e da América Latina foi a mais retardada em assimilar uma política crucial para a produção imediata de justiça social, redução das desigualdades e aceleração do desenvolvimento do país.

São quase 20 anos desde que as cotas começam a ser adotadas por universidades brasileiras, a partir das estaduais. Em 2012, o governo do presidente Lula institui a Lei de Cotas para todas as universidades e institutos federais. A reserva de 50% das vagas dessas instituições é destinada para estudantes que cursaram o ensino médio em rede pública, oriundas(os) de família de baixa renda e autodeclaradas(os) pretas(os), pardas(os) e indígenas.

Contrariando os racistas anticotas, que supunham a queda do Olimpo da universidade pública ao inferno da estupidez, caso ela abrisse o acesso a negros e pobres, o desempenho da mesma, no entanto, só melhora desde então. Portanto, a USP era tipo o último chefão a ser derrotado pela política de cotas na fase da educação. Antes tarde do que mais tarde. Parabéns aos movimentos negros e estudantis, responsáveis diretos pela conquista!

É necessário atentar, porém, que a notícia é boa, mas o contexto é péssimo. O golpe parlamentar, jurídico e midiático que derrubou a presidenta Dilma e colocou em seu lugar Michel Temer, o presidente ladrão, instalou no Brasil um Estado de exceção, assim reconhecido pelo ministro Barroso, do STF.

Repare. Quando um juiz da suprema corte, teoricamente o último guardião da Constituição, chega a declarar de público que vivemos numa terra sem lei (o tal Estado de exceção), ele sinaliza um liberou geral à devastadora violação de direitos executada pela quadrilha de Temer no governo, com amplo apoio deste congresso gângster.

Nesse sentido, nada mais impede os golpistas de barbarizar com coisas como a PEC do teto dos gastos, a lei da terceirização, a reforma trabalhista (e vem aí a da previdência), precarizando gravemente as condições de vida da maioria batalhadora, que é negra em sua maior parte. Quem ganha com isso, claro, é a minoria branca endinheirada (banqueiros, rentistas, megaempresários e latifundiários), para quem os recursos que custeavam os direitos sociais revogados são doravante transferidos.

A crise mundial acabou com o excedente econômico apropriado pelos endinheirados do país, então eles agora, para manter a qualquer custo o mesmo patamar de lucro do período das vacas gordas, saqueiam o orçamento público (com a mão dos políticos) direto dos cofres da saúde, da educação, dos direitos de trabalhadores e aposentados, sem esquecer a privatização entreguista do patrimônio nacional, como o pré-sal e a floresta amazônica, em obediência servil ao Tio Sam.  

É neste contexto de terríveis retrocessos que devemos compreender a extinção da SEPPIR, o avanço do extermínio de jovens negros, a chacina nos presídios, a revogação do feriado de 20 de novembro no Rio Grande do Sul, a tentativa de se criminalizar o abate religioso no STF e a epidemia de racismo ostensivo, como no caso em que o comandante da Avianca expulsou do avião o casal de atores negros Érico Brás e Kênia Maria.

Voltando às cotas, o desafio presente é garantir a continuidade e a efetividade desta política, cada vez mais ameaçada por fraudes, como no último concurso público para procurador de Salvador. Branco trapaceiro tentando se passar por preto pra ganhar injustamente o benefício… Por isso a ênfase atual nas bancas de verificação. Olho vivo!

Além disso, precisamos lutar por mais cotas. Sim, difundir as cotas nos concursos para o serviço público, nos empréstimos do BNDES, nas altas patentes das forças armadas, na distribuição das políticas sociais, no audiovisual, na propaganda e na direção das empresas, como preconizou há 40 anos o grande brasileiro Abdias Nascimento.  

Quem sabe, então, quando o Brasil se transformar em uma democracia racial de fato, com a ocupação proporcional dos espaços de poder por gente negra e branca, com igualdade de oportunidades educativas e econômicas para todas e todos, talvez aí possamos abdicar das cotas, já que, assim, elas terão se tornado supérfluas.

Até lá, todavia, seguimos o país mais racista do mundo! Afinal, nenhuma outra nação sustentou uma escravidão tão longa e numerosa, nem nenhum outro país do planeta assassina tantas pessoas negras como o Brasil, correto?

Com tudo isso, fora as cotas, convém lembrar que o Estado brasileiro jamais esboçou qualquer gesto de reparação de sua história racista, visando à inclusão social da população negra. O contrário é verdade. Portanto, a dívida deste Estado e seus dirigentes brancos para conosco é simplesmente incomensurável. E nós mal começamos a cobrá-la.

Finalmente, como apesar do genocídio negro, resistimos enquanto maioria da população deste país, uma coisa a gente pode anotar: – ah, seus racistas, vocês não perdem por esperar…     

O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor.

Sociólogo e Ogan de Adaen do Terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe

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