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Desfile de 2018 fez o que a lei 10.639 não conseguiu em 15 anos

18/02/2018 | às 11h20

Por Hélio Santos*

Duas escolas do Grupo Especial do Rio provocaram uma especial catarse em seu desfile na Sapucaí. O impacto foi maximizado porque visto por dezenas de milhões de pessoas em todo o país pela TV. 
Autoras da proeza: a Paraíso do Tuiuti e a Acadêmicos do Salgueiro. 

A Tuiuti trouxe o enredo “Meu Deus, Meu Deus, está extinta a Escravidão?” Fala dos 130 anos do fim da escravidão a serem completados em 13 de maio deste ano. A abordagem dos carnavalescos fez lembrar minha tese do 14 de Maio: critica o racismo e mostra como a cidadania ainda é algo a ser conquistado pelos negros no Brasil. Vão além disso ao tratar da conjuntura política, criticando a reforma trabalhista e ironizando os “manifestantes fantoches” do impeachment. Fecham com chave de ouro com o presidente-vampiro cuja faixa presidencial vem com cédulas de dinheiro dependuradas. Criticar a forma como a Abolição se deu no país onde a escravidão mais durou – 354 anos -, numa ópera móvel, que já foi chamada do maior espetáculo da terra, não é pouca coisa. Mexeu fundo com muita gente.


Porém, a Salgueiro veio com um enredo demolidor da narrativa racista que invisibiliza a importância da África e desvaloriza a mulher negra. Seu tema: “Senhoras do Ventre do Mundo” é mais que uma homenagem à mulher negra pois tem um componente de resgate que educadores e educadoras tentam fazer há 15 anos com a aplicação da Lei 10.639 de 2003 sem sucesso efetivo.
De cara, ao trazer a África como o ventre do mundo; a base da civilização humana, como a moderna genética confirma, me tirou o fôlego. Em meus workshops sobre Diversidade Étnico-Racial faço uma ginástica didática enorme para apresentar a Eva Africana – primeiro indivíduo que desmistifica o homo sapiens (Adão na visão bíblica). O que houve a cerca de 70 mil anos foi femina
sapiens em África.

Depois, apresentar as rainhas negras em que se destaca Hatsheput, a rainha-faraó do antigo Egito, mais guerreiras e heroínas negras eclipsadas por uma história epistemicida foi catártico de fato. Mas não parou por aí: trouxe as escritoras negras Maria Firmina, a primeira romancista do Brasil, Auta de Souza e Carolina de Jesus – esta última vem sendo resgatada pelo feminisno negro a duras penas. Mas a Pietá negra, simbolizando a mãe dos 23 mil jovens negros mortos violentamente a cada ano na terra brasilis, fechou um desfile didático que ainda não se conseguiu fazer na sala de aula. Anne Rodrigues, uma educadora de Salvador, me confirma que a arte chega melhor onde outras mediações sociais não conseguem. Há forte empatia e o conteúdo torna conhecimento.

Como se não bastasse as duas escolas Rio, três escolas do primeiro grupo de São Paulo em seus enredos homenagearam 3 ícones negros da arte musical: Vai-Vai (Gilberto Gil); Peruche (Martinho da Vila) e Mocidade Alegre (Alcione). Tudo aquilo que a Lei 10.639 nem perto chegou ainda.

Veja o Desfile da Tuiuti:

*Hélio Santos é Doutor em Administração (Faculdade de Economia e Administração da USP) (1989). Mestre em Finanças (Faculdade de Economia e Administração da USP) (1980). Graduado em Administração de Empresas (FAMCE) (1970). Consultor da Pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas”. Palestrante e consultor na área de gestão da diversidade (inclusão de mulheres, negros e pessoas com deficiência no mundo corporativo). Autor do livro “A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso”, ensaio que explicita o vínculo entre desenvolvimento e inclusão sociorracial. Diretor-Presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade – IBD e Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para a Equidade Racial. Atuou como Consultor na área de Gestão da Diversidade para diversas organizações como Banco Real, Itaú-Unibanco, CPFL, Grupo Abril, Fundação Ford, Fundação Kellogg, Governo do Estado de São Paulo, Prefeitura de Campinas, Prefeitura de Salvador, entres outras. Um dos fundadores da Aceleradora Vale do Dendê.

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