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Ku Klux Klan, na Bahia?!

Por Rosângela Accioly

Subo hoje a esta tribuna, como negro que sou, defensor do meu povo, para levantar nesta Casa, a voz dos milhões de afro-brasileiros deste país, ofendidos e discriminados, quando não mortos ou torturados, durante quase cinco séculos de escravização no Brasil. Não fui eleito senador para silenciar a catástrofe coletiva do povo afro-brasileiro.
Abdias do Nascimento

A partir do que nos diz Abdias do Nascimento, entendemos que é dos negros/as a responsabilidade política de construir, de onde estiverem, o que é ser africano ou africano-brasileiro na diáspora; Nós povos africanos devemos lutar juntos/as, pois temos origem comum e opressão comum.

Bem, nesse cenário trago Salvador ao centro de nossa discussão, capital baiana, majoritariamente negra e herdeira do ethosafricano traduzido em uma profusão de crenças religiosas, em sua herança musical e arquitetônica, científica e tecnológica, além de muitas outras, é Salvador costumeiro palco de tensões e conflitos raciais, que se tornam visíveis nas altas taxas de violência e de desigualdades educacionais, sociais e econômicas a que são submetidas às populações afro-brasileiras.

Assim, um fato em particular ocorrido numa escola de Salvador, inquieta e reforça a necessidade desse artigo; em junho deste ano fotos que circularam pela internet mostram um grupo de jovens brancos de classe média alta usando roupas que remetem os grupos denominados Ku Klux Klan, grupos estes fundados após a guerra civil americana que defendiam a supremacia e o nacionalismo branco, a anti-imigração, o anticatolicismo, o antissemitismo e o nordicismo. Estes grupos eram formados por pessoas de extrema direita que queriam a dita “purificação” da sociedade estadunidense. Foram esses grupos responsáveis por promover na época, atos de intimidação e violência contra a população negra liberta, sendo estes feitos em nome de ideologias e pseudovalores pregados pelos grupos.

Reprodução/Redes Sociais

Porém e infelizmente isto não é novidade, na contemporaneidade muito se tem ouvido falar do fortalecimento da extrema direita em várias partes do mundo, um ruído de tempos assustadores. Por outro lado, estas mudanças têm suscitado uma nova ordem mundial que se transforma numa crescente problemática. Esta é desenhada numa tentativa de retomada de aspectos mais conservadores e fundamentalistas, tendo como exemplo: o fortalecimento de grupos neonazistas, as demonstrações e expressões cada vez mais veemente de xenofobia e ou de grupos LGBTfóbicos, o fechamento das fronteiras especialmente para pessoas refugiadas, que abandonam seus lares por causa da constante tensão política e conflitos bélicos que rodeiam seus países de origem, além da disseminação cada vez mais aberta das ideias racistas.

Com esse cenário mundial é frustrante e profundamente preocupante que na Bahia, onde a riqueza das arkhescivilizatórias africanas saltam aos nossos olhos, ainda vermos situações como a supracitada, tendo como pano de fundo, currículos escolares comprometidos tão exclusivamente com o desenvolvimento de conhecimento sobre a história e filosofias de origem greco-romana ou euro-americana, ignorando quase que completamente o ensino da história afro-indígena brasileira.

Gilberto Gil e Mãe Stella de Oxóssi, no Ilê Axé Opô Afonjá: Salvador, 1999Leticia Monte/Site Oficial Gilberto Gil/Reprodução

Essa política educacional tecno burocrática, traz uma perspectiva de prolongamento colonial, racista e euro centrada, que recalca a opulência da civilização africana, que se desdobra em um continente rico e plural. Essa realidade precisa mudar, pois, até quando os educadores brasileiros silenciarão acerca das origens pluri étnicas do povo brasileiro? Essa realidade das escolas públicas e particulares acontece com a conivência e o silenciamento da sociedade sim. Compreende-se então, que essa é uma responsabilidade de todos/as; não se pode, nem se deve, esperar políticas públicas horizontalizadas, o diálogo precisa ser feito com todos/as os atores envolvidos diretamente com a educação soteropolitana, baiana e brasileira.

Para pensar no campo da escola, é imperativo, enquanto herdeiros de Nzinga3, de Dandara, de Zéferina, Zumbi e tantos outros heróis e heroínas negros/as, a exigência do cumprimento das Leis 10.639.03 e 11.645.08, uma vez que, o que vemos hoje, são os poucos conteúdos que tratam de África, tratarem-na de maneira reducionista, quando não, as análises estão baseadas em conteúdos racistas, pois geralmente os conhecimentos ligados ao continente africano estão associados a categorias como “cultura popular” quando do outro lado, como um elemento centralizador e de manutenção do ‘status quo4 está a erudição europeia. Outro exemplo é quando o currículo traz a narrativa dos heróis negros/as, como Zumbi dos Palmares no 20 de Novembro, do outro lado há uma avalanche de nomes dos colonizadores, a decoração das escolas que apresentam o público infantojuvenil com uma aparência nórdica, em uma cidade majoritariamente negra. Exemplos como esses, são muitos e se apresentam de modo rotineiro.

Aqui cabem as seguintes indagações: que conteúdos são trabalhados nas escolas em Salvador? A partir de qual episteme, se trabalha a presença negra no currículo? Ainda estão sendo ensinados conteúdos euros centrados Como nos afirma LUZ?

O mundo greco-romano circula nas academias humanísticas como o berço da civilização, enquanto as civilizações africanas, asiáticas e ameríndias são relegadas, recalcadas, como racialmente inferiores e identificadas com o homem pré-histórico, “dignas de pena” do europeu que, de forma altruísta e munidos de “racionalidade”, deverá colonizar e proporcionar a esses povos “atrasados” uma melhor adaptação evolutiva (LUZ, 2000, p. 47).

Portanto, o apelo ao conceito de alteridade nos interpela trazendo, sobretudo, a responsabilidade irrestrita e absoluta do seu significado. A partir das discussões do filósofo lituano Levinas, percebemos que a racionalidade não pode dar conta do ethos que transita na imagem de vários povos. Levinas influenciado pela fenomenologia parte do princípio que a ética, e não a ontologia, é a filosofia primeira. Dessa forma, a percepção das reflexões aqui, propostas, levam a entendimento de que distintos povos têm em sua estrutura societária sua própria identidade, organização, cosmovisão, hierarquias, vínculos comunais, formas de vida, valores, costumes, tradições que se desenham em suas alteridades.

Nessa contribuição a perspectiva de subjetividade, o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais ditados pela alteridade do outro, é inegociável – A escola precisa evidenciar este fundamento que traz a dimensão da justiça e da ética.

REFERÊNCIAS

ethos constitui a linguagem grupal enunciada, as formas de comunicação, os comportamentos, a visão de mundo, os discursos significantes manifestos, o modo de vida e a configuração estética.(LUZ, 2000, p.94).

Princípios inaugurais

Rainha dos reinos do Ndongo e de Matamba.

4Estado atual.

O conteúdo desta coluna é de responsabilidade da autora.

MESTRA EM EDUCAÇÃO PELO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE GANHADORA DO PRÊMIO PRÊMIO ORIRERÊ CABEÇAS ILUMINADAS REALIZADO PELA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO NO ESTADO DO PARANÁ E CENTRO CULTURAL HUMAITÁ, AUTORA DO LIVRO AWO OMODÊ – UDUNEB

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