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Notas sobre um caso de lesbofobia e falocentrismo

Na Bahia, os assassinatos de casais estão se tornando frequentes. Dois irmãos identificados como casal gay foram assassinados em Camaçari em junho. Na mesma cidade, um casal lésbico foi assassinado em agosto. Menos de dois meses depois, um novo caso contra um casal lésbico causa espanto e revolta (e aumenta o medo) na comunidade LGBT e preocupa no movimento LGBT.
 A jovem foi assassinada a facadas após recusar um flerte de um homem identificado como Alan. O assassino e um parceiro invadiram a casa onde ela morava com a companheira e as esfaquearam. A outra jovem, de 22 anos, sobreviveu.
Nos dois casos com mulheres, a suspeita de que os acusados não aceitaram ser rejeitados, algo comum em crimes passionais contra mulheres. O machismo foi agravado, porém, porque as mulheres preferiam outras mulheres. À essa associação entre machismo e homofobia, os movimentos sociais chamam lesbofobia.
Não se trata de diferenciar a lesbofobia do machismo ou da homofobia. Por outro lado, também não se trata de somar duas opressões distintas. A lesbofobia opera ligando aspectos do machismo e da homofobia que mantém os homens heterossexuais no topo da hierarquia social. A lesbofobia é parte da dominação de gênero e sexual ao mesmo tempo.
As ligações entre gênero e sexualidade. O desejo sexual requer uma fantasia de gênero associada ao corpo. E o gênero prescinde da orientação sexual para se estabelecer. Por isso que as pessoas perguntam se somos “gays ou homens”. Por isso também que as lésbicas ganham apelidos masculinos. As normas de gênero e as normas sexuais estão associadas, de modo que determinado gênero exige determinado desejo sexual. Gays e lésbicas não são odiados apenas por negar a heterossexualidade compulsória, mas também por negar as orientações obrigatórias de gênero.
A associação entre gênero e sexualidade permite que o símbolo da dominação de gênero seja sexual: o pênis. Muitos estudiosos falam mesmo em “sociedade falocêntrica” quando procuram compreender o vasto poder conferido a esse símbolo social, materializado nas performances do gênero masculino.
Pela lógica falocêntrica, qualquer foco de prazer sexual que não esteja concentrado no pênis é uma ameaça ao poder masculino. Eles fantasiam relações lésbicas, mas elas sempre precisariam de um pênis para “completá-las”. Os mesmos homens que ameaçam agredir gays que os “importunem” perseguem lésbicas. Ambos são ameaças ao poder masculino, por diferentes ângulos.
A fantasia falocêntrica de dominação não concebe autonomia sexual das lésbicas, assim como de qualquer mulher, no que os gays se diferenciam.  Recusam mais ainda a preferência de uma mulher por outra, “destituída” do símbolo do prazer sexual. Mais do que isso, veem esse preferência como uma ameaça ao poder masculino.
Por isso, a lesbofobia é uma forma de dominação de gênero e sexual ao mesmo tempo.
Isso tudo pode ser visto no caso em questão. O machismo que objetifica as mulheres está na reação à recusa do flerte. A homofobia está no ódio contra uma relação entre mulheres. A lesbofobia opera em ambos os casos: a rejeição de um homem pelo amor de uma mulher é uma preferência. Uma preferência contra a fantasia de dominação sexual e de gênero masculino.
É graças a essa fantasia – e ao poder que ela legitima – que um simples flerte recusado, seguido de discussão em um ponto de ônibus, pode levar a um assassinato.
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