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Procuram-se bonecas pretas

Pelos corredores de um movimentado shopping da capital baiana, consumidores transitavam apressados. Era véspera da “sexta-feira negra”, da Black Friday, e uma maioria branca entrava e saía das lojas, ávida por produtos, em liquidação, que atendessem desejos, anseios, necessidades.

De dentro de uma das lojas ecoava um som diferente daquele característico do local. Tocava uma música que falava da necessidade de ocupar. Quando as cortinas que cobriam as vitrines foram abaixadas, a frente da loja estava ocupada. Desta vez, por uma maioria negra, que sabia “de cor” a canção cuja letra traduz a ideia de uma identificação transformadora.

O refrão “procuram-se bonecas pretas” fala de uma busca que vai além da ausências de brinquedos que valorizam a identidade. Fala de representatividade.

Nas vitrines, cinco mulheres, em uma performance teatral contundente, dão vida a bonecas pretas. Uma delas é a cantora Larissa Luz, que neste cenário, atenta às questões da visibilidade fez o pré-lançamento do clipe Bonecas Pretas, na última quinta-feira (24).

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Imagem do clipe

 

“A gente vive um processo de opressão, de ditadura de moda e de padrões estéticos há um tempo. Isso se reflete nos brinquedos, nas roupas, nas revistas, nas manequins. Tudo isso é reflexo de um comportamento, de uma educação racista e sexista. A gente não encontra bonecas negras com facilidade e, quando a gente encontra, é super caro. As crianças crescem sem se ver nas prateleiras, nos games, nos desenhos animados, não têm mulheres heroínas negras nessas histórias”, destaca a artista

Na infância, assim como a maioria das crianças, Larissa não tinha acesso a brinquedos afirmativos. “Gostava muito de brincar com boneca. O universo dos brinquedos era o momento de criar para dar asas a minha imaginação. Eu não tinha acesso a bonecas negras. Não via no comércio”, relata.

Para compensar a mãe de Larissa, Regina Luz, professora de Língua Portuguesa e produtora cultural, conta que, mesmo com ausência de bonecas pretas, buscava abordar a questão da identidade com recursos literários. “Ela sempre foi uma criança muito orientada no sentido de se reconhecer e de conquistar o seu território, através da literatura. Esse clipe reflete o que nós conversávamos. A boneca é uma arena de debates. Através do brincar  você constrói a sua identidade”, revela.

“Se o Papai Noël/ não trouxer boneca preta/ neste Natal / meta-lhe o pé no saco!”, brinca Regina Luz ao declamar o poema de Cuti (pseudônimo de Luiz Silva, escritor, pesquisador e professor universitário).

“Precisamos dessa identificação. Estamos muito oprimidos pelas imposições dadas sobre aquilo que tem que ser consumido, como é consumido e quem tem que ser consumido. Com isso, nós pretos, ficamos de fora. Você ter uma artista negra falando sobre essas coisas, dentro de um shopping, nos fortalece e faz bem a nossa autoestima”, relata o bailarino Honorato Aragão.

A artista plástica Mariana Desidério conta que a identificação com o clipe foi imediata. “É muito significativo para mim hoje aos 34 anos de idade saber que há uma artista preocupada com essas questões de diversidade”, reitera.

Confira o clipe:

A coreografia é de Elivan Nascimento, direção de Glauco Neves e Rodrigo Hohlenwerger e direção de arte do Somos Coletivo Criativo.

Veja a letra da canção que é tema do clipe:

Um caso contestável
direito questionável
Necessidade de ocupar
Invadir as vitrines, lojas principais
Referências acessíveis é poder pra imaginar
Mídias virtuais
Anúncios constantes
Revistas, jornais…
Trocam estética opressora
 
por identificação transformadora
 
Procuram-se bonecas pretas
Procura-se representação!
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Donmnique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô

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