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Toni Edson fala sobre trabalho que valoriza contos africanos

Natural de Aracaju, Toni Edson é ator fundador do Grupo Iwá, dramaturgo, diretor, compositor, contador de histórias, licenciado em artes cênicas (UDESC), Mestre em Literatura Brasileira (UFSC) e Doutor em Artes Cênicas (UFBA), tendo pesquisado procedimentos e tradição oral de contadores de história africanos como inspiração para rodas de história como arte pública com contos brasileiros. Em sua trajetória de 19 anos na área, já atuou em 6 espetáculos de contação de histórias e dirigiu 18. Realizou apresentações em Cabo Verde, Estados Unidos e em Burkina Faso. No Brasil já realizou apresentações em mais de 10 estados.

Conversamos com ele em recente passagem por Salvador (BA), durante a 2ª edição do Em Cena Nossas Histórias, realizada no Espaço Xisto Bahia. O projeto incluiu duas apresentações e uma oficina de performatização coletiva de contos africanos entre os dias 13 e 15 de julho.

Correio Nagô – Toni Edson, a gente ouve falar muita coisa sobre você, mas gostaríamos que você mesmo se descrevesse, qual seu lugar de fala?

Tony Edson – Sou Toni Edson. Sou um ator negro, contador de histórias que há muito tempo entendeu que a gente precisa se educar enquanto arma mesmo de guerrilha. A gente vive uma guerra que não é declarada e não temos muita consciência plena disso. Estou falando, principalmente, de nós negros,que a partir do momento em que a gente alcança esses pólos da educação, seja a educação formal e informal ,ou acadêmica, a gente amplia a nossa possibilidade de discussão, de inserção e de representatividade. Então, sou ator negro sergipano que tem girado o Brasil. Morei em alguns lugares – inclusive Salvador – e agora estou em Maceió (AL) tentando discutir questões sobre negritude, sobre o valor da oralidade no estado que ainda tem uma certa dificuldade para se assumir negro, apesar de legado do Quilombo de Palmares.

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CN – Você tem doutorado em Artes Cênicas, conta para gente um pouco dessa trajetória e da pesquisa?

TE – Na verdade, o que resultou no meu doutorado eu comecei há cerca de 17 anos a tentar investigar, quando eu vi um contador de histórias africano durante um espetáculo dirigido pelo Peter Brook. Não sabia nem que ele era contador de histórias na época e eu fiquei encantado com a presença daquele sujeito. Fiquei encantado com a forma como ele conduzia a cena. Eu devia ter no máximo 20 anos e foi extremamente rico. Comecei a contar histórias buscando esses referenciais. Infelizmente o material ainda é muito escasso sobre. Acho que talvez a minha tese venha contribuir também nesse sentido… Na universidade eu pesquisei dois pilares básicos: Teatro de Rua e Contação de Histórias. Na tese eu junto as duas coisas. Chama-se Narrativas na Rua. A gente fazia sessões de histórias na rua com estudantes lá da Universidade Federal de Alagoas.. Foram experiências maravilhosas. Cada vez mais eu também estou buscando esse espaço agora com o projeto de extensão indo para rua contar histórias, indo às praças, aos parques abertos, lugares que eu acho que também são tão carentes de histórias, de historicidade e dessa representação. São histórias que são muito maiores que a gente, como costumo dizer. Têm 700, mil anos…

CN – Você acabou de contar histórias africanas e ameríndias. Qual a importância de nós mesmos contarmos essas histórias?

TE – A gente precisa ocupar esse lugar. As pessoas vão falar da gente, mas não vão conseguir falar como nós . É uma das coisas que me motiva bastante a continuar contando, pesquisando essas histórias. São histórias que muitas vezes quando chegam as pessoas, já chegam com um olhar de repulsa e isso precisa ser quebrado. Quebrar ressignificando, quebrar ampliando escuta com todo respeito. Acredito que através da oralidade a gente consiga aproximar e desmistificar preconceitos.

CN – Observando a plateia do seu espetáculo aqui em Salvador pude notar que foi bem dividida entre brancos e negros…

TE – Eu tenho muitos públicos. Lembro quando Abdias Nascimento em 1944 contou que uma das metas que eles não conseguiram alcançar, segundo o próprio Abdias, foi o fato de não chegar às populações negras. Eu entendo perfeitamente. O teatro da forma como é visto é um espaço elitista e é por isso, também, que eu insisto muitas vezes em contar histórias em espaço abertos, de contar histórias na rua, inclusive histórias africanas e ameríndias… Aqui (espaço Xisto) a gente tava dentro do espaço espaço muito confortável, muito acolhedor também, com a equipe muito atenciosa em todos os aspectos, então é bacana esse lugar também. Fiz uma temporada agora há pouco de 22 apresentações do estado de Santa Catarina, estado que tem uma formação baseada nas culturas europeias, então muito do meu público era branco. Minha felicidade é que algumas crianças negras quando me viam contando história mudava tudo. No entanto, de um modo geral, a troca tem sido sincera tanto com pessoas brancas quanto com negras. Eu não acompanho atualmente a frustração do Abdias. Ainda bem que eu consegui apresentar esses trabalhos para muitas pessoas negras, né? Fico satisfeito em apresentar. Entendo que é importante esse papel, esse lugar de ser um performer, um contador de histórias negro que está levando uma pesquisa – do meu de vista – profunda sobre a questão da oralidade, sobre essa questão das reminiscências de África em nós, em nosso tronco linguístico, de nosso Imaginário, que é muito forte, só que é muito negado.

Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô

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