Sob o sol escaldante da cidade de Salvador (BA), visivelmente cansada, Maria Santos se abaixava para poder pegar mais uma latinha de cerveja na caixa de isopor colocada no calçadão. A vendedora, de 40 anos, é uma das centenas de ambulantes que trabalharam na festa de Iemanjá, no bairro do Rio Vermelho.
“Tou aqui desde ontem, sem dormir, nem comi direito hoje. A vendagem tá bem mais ou menos, mas também é tanta gente vendendo. Tou aqui na correria sem lenço nem documento. O problema também é que tem gente que quer comprar latinha de outra marca, mas aí a gente não pode vender. Só a oficial”, lamenta, Maria, referindo-se às medidas encampadas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) para garantir a proteção à marca e venda exclusiva dos produtos do patrocinador no circuito da festa, que este ano é a empresa Ambev.
Diferentemente de Maria, Denilson da Silva, decidiu chegar para trabalhar hoje (02) e optou por não comercializar bebidas. No entanto, as dificuldades são similares. “Cheguei às 9h30, mas o movimento está bem devagar. Deu pouca criança na festa. Deve ser por causa da volta às aulas. Ou a pessoa curte ou paga os materiais escolares. É a crise”, observa o vendedor de catavento, que também é montador de camarotes, mas ficou de fora esse ano do mercado.
A Prefeitura de Salvador cadastrou 410 pessoas para trabalhar na festa como vendedores ambulantes. No entanto, o número é ainda maior, considerando os limites e as limitações do cadastramento. Em apenas 11 minutos, as 410 vagas disponibilizadas na internet foram preenchidas. Para a festa do Rio Vermelho, foi escalado um efetivo de 70 agentes de fiscalização para fazer o ordenamento do comércio informal.
“Oxe, não é fácil a gente conseguir essa autorização. Eu venho por conta própria, trago meu banquinho, boto meu baldinho com água, coloco flores e tiro uns trocados”, revela Luzia Matos. Quando questionada sobre quanto seriam esses trocados, ela garante que não compensa, pois a concorrência é grande e o investimento também. “No fundo é trocar seis por meia dúzia. De quebra, tem o cansaço”, acrescenta.
Josué Carlos discorda e considera que é possível ganhar um extra nas festas populares. Para ele, a escolha daquilo a ser comercializado faz a diferença. “Eu mesmo só vendo catavento no Carnaval e no Dois de Julho. Nas outras festas, chego com minha guia de doces e cigarros. A gente que tá desempregado tem mais é que fazer alguma coisa. O único problema é o ‘rapa’, que quando chega leva tudo nosso. Isso precisa mudar”, alerta.
Mais à frente, no tradicional Largo da Dinha, encontramos André Nascimento comercializando óculos de sol. “Meu desejo é faturar algo, mas o movimento tá fraco. Mas também é minha primeira vez aqui na festa e eu também cheguei para mais de 8h da manhã”, justifica o jovem de 18 anos de idade, que sonha em ser jogador de futebol.
Edileuza Lima, 41 anos, conta que, como todos os anos vai curtir a festa, aproveita para comercializar seus produtos. “Eu já faço colares, então trago para vender aqui de R$ 3 a R$10. Minha mãe faz reciclagem também, ela cata latinha, então a gente vem para curtir e para trabalhar”.
“Eu tou aqui é para catar latinha e ponto. Trabalho é trabalho, e diversão, isso eu não tenho”, disse o jovem Anderson Conceição, enquanto recolhia latas no meio da multidão.
Nesses 94 anos de homenagens à Iemanjá, a festa no Rio Vermelho tem passado por novas configurações, inclusive no próprio modo como a população lida com os festejos, com a cidade e com o negócio implicado no contexto cultural e econômico. O mesmo ocorre em outras festas populares, com ápice maior no Carnaval.
Portanto, não é possível ignorar que centenas de pessoas, em pleno século XXI, ainda estejam expostas às condições precárias de trabalho.
Assim sendo, o assunto ainda carece de debate e, acima de tudo, de políticas públicas que possam garantir a dignidade da pessoa humana, mesmo quando estivermos falando em celebrações.
Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô.