31/07/2018 | às 18h30
Por Gerson Brandão¹
A bola ainda rolava na Rússia quando no dia 8 de julho, um jogo muito mais importante era jogado no continente Africano. No momento em que dois chefes de Estado voltaram a se falar, irmãos se abraçaram e resolveram olhar as similaridades que unem ao invés das divergências que separam, famílias separadas pela guerra agora podiam se telefonar pela primeira vez em vinte anos e a paz que parecia impossível entre a Etiópia e a Eritreia passou a ser uma realidade.
Os exércitos de ambas as nações vinham se enfrentando esporadicamente na fronteira, a segurança dominava as preocupações dos dois países que travaram uma guerra iniciada em 1998 e que custou a vida de cem mil pessoas, além de milhões de dólares desviados de projetos de desenvolvimento para atividades militares e aquisições de armas!
A independência da Eritréia da Etiópia, tornou-se oficial em maio de 1993, depois de uma longa batalha de mais de trita anos pela independência, e cujos mortos a história nunca se preocupou em contar… A ex-colônia italiana tinha sido anexada à Etiópia em 1952, quando os Estados Unidos, procurando maneiras de fortalecer uma presença em solo africano, escolheu Addis Ababa como ponto de partida e determinados a estabelecer bases militares na Eritréia, impuseram uma federação. Durante anos esse território, tornou-se um campo de batalha da Guerra Fria, devido a influência das chamadas super potencias da época os Estados Unidos e a União Soviética.
Essa região do mundo particularmente importante não só pelo aspecto econômico e/ou geopolítico – acesso ao Mar Vermelho, proximidade com o mundo árabe. O chifre do continente africano é também a terra da primeira rainha negra. O reino de Sabá, na Etiópia, é a mesma região palco da disputa entre os dois países onde a rainha de Sabá deu à luz o primeiro filho do Rei Salomão: Menelik.
Primeiro Rei da Etiópia, Menelik fundou a dinastia dos Solomoniades, a famosa dinastia do Leão de Judá que então viria a governar por três séculos até 1975, com a morte do último rei da Etiópia – o último da linha salomônica – Haile Selassie (o Rei que gostava de reggae, como foi cantado um dia…), ou Ras Tafari – como reverenciado pelos rastafarianos.
Então, começa o movimento Rastafari, que se tornou a principal religião da Jamaica, que manteve o Leão de Judá – símbolo do orgulho negro.
A reaproximação, como consequência da paz, pode ajudar a Etiópia, um país com mais de cem milhões de habitantes e com a maior economia da África Oriental, mas sem litoral, a ter acesso aos portos da Eritréia. Assim como, melhores laços entre os dois países podem ajudar Eritréia a superar décadas de relativo isolamento da comunidade internacional.
Falamos tanto da guerra que acabamos por esquecer os benefícios da Paz!
Neste momento, a Eritréia já retomou relações particularmente estreitas com a Etiópia. Os dois antigos inimigos têm fronteiras abertas e estão envolvidos em numerosos projetos econômicos conjuntos. Juntamente com Uganda, os dois países assumiram a liderança na expansão da função da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) com projetos para o alívio da seca; para a solução de crises como a do Darfur, no Sudão e a geração de projetos conjuntos de infraestrutura para promover a integração regional.
O Brasil e a comunidade internacional deveriam apoiar essas iniciativas, até como forma de mostrar nosso compromisso com o autodesenvolvimento econômico e político e com a estabilização regional na África.
¹ Gerson Brandão é encarregado de assuntos humanitários da ONU, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Estrasburgo e atualmente pesquisa “sobre o papel das empresas privadas na proteção de civis na Republica Democrática do Congo”. E-mail: brandaoazevedo@un.org
** Texto enviado com exclusividade para a Coluna Êta Mundo, comandanda pelo geógrafo Diosmar Filho.
Este conteúdo é de inteira responsabilidade do autor.