Texto e fotos de Gerson Brandão*, especial para a coluna “Eta Mundo” do Correio Nagô
No dia 14 de março, Moçambique conheceu o impacto devastador do maior ciclone que jamais havia se formado no hemisfério sul. O ciclone “Idai” devastou a cidade portuária da Beira, a segunda maior cidade do país e arredores.
Nos dias seguintes, as cheias dos rios da região central quase varreram as casas e prédios públicos que ainda estavam de pé, causando inundações massivas e deixando comunidades inteiras submergidas, em algumas partes sob 10 metros de água! Felizmente, uma importante rede de solidariedade se formou para ajudar as pessoas que tiveram suas vidas afetadas por esse desastre, uma conscientização particularmente importante onde mais de 14 países, incluindo o Brasil, e cinco países da África, se mobilizaram para apoiar os esforços de ajuda. Assim, suprimentos de socorro foram trazidos de todo o mundo.
Entretanto, poucas semanas depois, na noite do dia 25 de abril, mais um ciclone voltou a atingir o país – algo sem precedentes, dois ciclones em uma mesma época, mesmo para uma região do mundo que infelizmente, não é estranha às catástrofes. Dessa vez foi o norte de Moçambique a ser impactado, e não com menos intensidade pois “Kenneth” tornou-se então o ciclone mais forte a atingir o continente africano, com rajadas de vento de até 220km /h.
Apesar de tudo, a eficiência da resposta liderada pelo governo pode ser medida e sentida em várias áreas também graças à generosidade das pessoas que doaram, sobretudo no momento em que o plano de resposta humanitária da ONU, que busca recursos para suprir as necessidades mais básicas criadas por essa situação de emergência, ainda não recebeu os fundos previstos e, nos primeiros dias do mês de maio, estava financiado em apenas 29.7%.
Dessa forma, para que as conquistas até agora alcançadas na resposta sejam duradouras, mais recursos ainda são necessários, assim como as pessoas implicadas na ajuda a quem mais precisa devem continuar mobilizadas.
Apesar do impacto avassalador sobre as pessoas e comunidades, assim que algum senso de normalidade é visto ou relatado, infelizmente é normal seguir a tendência de esquecer rapidamente o quão devastador foi um desastre, e o sofrimento de quem perdeu tudo acaba também perdido na memória de quem ainda pode ajudar.
Se por um lado nós, aqueles envolvidos direta ou indiretamente em responder a uma emergência trabalhamos duro, querendo ver a vida daqueles que sofreram o impacto de um cyclone, ou qualquer desastre, voltar, ao menos, ao que era antes do desastre, também estamos plenamente conscientes de que a estabilidade e a normalidade são um processo que pode levar meses, senão anos, dependendo da escala do acontecido.
E mais, em situações como essa, em Moçambique, devemos sempre almejar a um pouco mais, e trabalhar com o governo e a sociedade civil para ir além do que fazer com que a vida seja como antes do ciclone pois sabemos que nas áreas impactadas tanto por “Idai” como por “Kenneth”, o nível de vulnerabilidade, e de pobreza extrema contribuíram para o elevado número de mortos. Dessa forma, nada mais justo do que continuar a trabalhar para que essas pessoas tenham no futuro algo melhor, e mais sólido do que tiveram no passado.
[1]Gerson Brandão é conselheiro em projetos de recuperação rápida e estabilização do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em Moçambique. e-mail:brandaoazevedo@un.orgEste conteúdo é de responsabilidade do autor.
Publicado em 28/05/2019