Festival 31: organizações de comunicação se uniram para pensar estratégias de garantir a manutenção do jornalismo de interesse público, explorando as ferramentas digitais e as novas possibilidades de parcerias e compartilhamento de informações.
As iniciativas de mídias digitais nativas independentes, inclusive as sem fins lucrativos, estão ajudando decisivamente a reinventar o jornalismo. Esta foi a boa notícia trazida pelas experiências compartilhadas durante o Festival 3i de Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, que teve sua segunda edição realizada na Fundição Progresso, na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 18 e 20 de outubro.
A outra notícia urgente é de que a promoção da diversidade, por meio da ampliação das fontes de informação e a valorização das experiências periféricas, garantirá a relevância do compromisso social do jornalismo. Este aspecto foi destacado pela presença, no Festival, de iniciativas de comunicação comunitária, como o Gato Mídia e Papo Reto, ambos do Morro do Alemão, o Perifacon do Capão Redondo, além de veículos da mídia negra representados pela Agência Alma Negra, de São Paulo, e pelo portal Correio Nagô, de Salvador.
A constatação da relevância das mídias digitais nativas foi o foco da conferência de abertura do Festival, feita pelo jornalista Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, na Universidade do Texas, em Austin. Para o pesquisador, os veículos tradicionais foram os mais atingidos pelas transformações no mercado do jornalismo, enquanto que as mídias digitais, inclusive as sem fins de lucro, têm apresentado modelos sustentáveis e inovadores.
Em mesas, estandes e workshops, foram apresentadas experiências de jornalismo do Brasil, Estados Unidos, Venezuela, Argentina, Colômbia, Peru e México, em temas urgentes como colaboração, engajamento, diálogo com a audiência, jornalismo de dados e tecnologias digitais, o combate à desinformação e a diversidade de vozes nas redações.
Diversidade
Entre os palestrantes, a editora de redes do New York Times, jornalista Millie Tran; o fundador do The Intercept, responsável pela série #VazaJato, Glenn Greenwald; e a editora de Diversidade do jornal Folha de São Paulo, Paula Cesarino Gomes. Criada em abril de 2019, a editoria tem tentado ampliar a diversidade de vozes em um dos principais jornais do país, por meio de ações afirmativas como o aumento do número de colunistas negros.
“A resposta para a pergunta ‘Quem tem voz nas redações?’ é a mesma nos mais diferentes setores, seja no jornalismo, na economia, na política: quem tem voz é gente branca, originária das áreas mais ricas do país e que cursaram as universidades mais prestigiadas”, pontuou Paula Cesarino. Para a jornalista, que atuou como ombudsman da Folha de São Paulo entre 2016 e 2019, esse é o cenário observado tanto na mídia tradicional, como também nos veículos independentes.
Uma prova disso foi a pouca diversidade racial dos palestrantes do Festival 3i. Dos 42 convidados para as mesas, apenas seis eram ‘não brancos’. Fato evidenciado nas duas últimas mesas do evento.
“Não existe possibilidade de construir democracia no Brasil sem pluralidade e diversidade de olhares. Existe alguma coisa mais inspiradora, inovadora e independente do que o jornalismo produzido nas quebradas do Brasil?”, questionou Pedro Borges, do Alma Preta.
Darryl Hollyday, cofundador do City Bureau, que possui um laboratório de jornalismo cívico em Chicago, explicou como o veículo atua na garantia da diversidade e representatividade racial na mídia norte-americana. “Como nós, jornalistas, dividimos nosso poder com as pessoas? Informando, engajando e equipando”, defendeu.
Em sua fala, o editor do portal Correio Nagô, André Luís Santana, conclamou os jornalistas presentes ao compromisso de ampliar suas fontes, ouvindo profissionais, militantes e intelectuais negros em suas reportagens. “Quantas vezes vocês entrevistaram pessoas negras para matérias que não tratavam sobre violência, cultura ou futebol? É preciso ouvir e divulgar histórias positivas de pessoas negras em seus jornais. Há um pensamento negro sobre os mais diversos temas do Brasil, como Economia, Educação, Saúde, Tecnologia, Relações Internacionais etc, uma proposta de um Brasil bom para todos”, afirmou.
Mídia Negra
O jornalista André Santana também apresentou ao público do Festival 3i o trabalho que vem sendo realizado pelos veículos da mídia negra, a exemplo do Correio Nagô, Soteropreta, Mundo Negro, Notícias Pretas, Geledés e revistas como a Afirmativa, Acho Digno e Quilombo, entre outros, compromissados em reverberar as vozes negras na comunicação. “Iniciativas que dão continuidade ao legado da imprensa negra do século XIX e das experiências do século XX como o jornal Quilombo, de Abdias do Nascimento e o jornal Irohin, criado por Edson Cardoso”, lembrou durante o debate.
Em tempo de perseguição à imprensa por parte de autoridades políticas, proliferação da desinformação e de fake news e aguda crise econômica nos veículos de massa, o Festival 3i é fruto do empenho de organizações independentes de comunicação do Brasil que se uniram para pensar estratégias de garantir a manutenção do jornalismo de interesse público, explorando as ferramentas digitais e as novas possibilidades de parcerias e compartilhamento de informações.
O Conselho do Festival 3i 2019 envolveu 13 iniciativas nativas digitais: ((o))eco, Agência Lupa, Agência Pública, Congresso em Foco, Énois, Jota, Marco Zero Conteúdo, Nexo, Nova Escola, Poder360, Ponte Jornalismo, Projeto #Colabora e Repórter Brasil.
Publicado em 05/11/2019