Beleza, de Elisa Maia, realça a multiplicidade dos corpos em parceria audiovisual com Casa Matagal, coletivo de mulheres pretas da cena ballroom amazonense. “Canto a construção de uma autoestima que só vê beleza ao reconhecer minha natureza e conviver com o prazer e a agonia dessa constatação”, comenta a artista. O single encerra um ciclo de 4 lançamentos desde 2020, antecedido por “Lua Pra Tantas Faces”, “Sol de Setembro” e “Todo Poder Curativo” – todos produzidos por Elisa. “Fiz esse conjunto de músicas quando eu estava num processo profundo e doloroso de percepção de mim mesma. Eu vinha de anos de muita correria, pela minha música e sobrevivência, sem olhar muito para os incômodos e desajustes. Quando finalmente parei, consegui olhar para questões que antes eu ignorava – e um desses temas era autoestima e a relação com meu corpo, com a minha imagem. Não tem como dissociar meu processo de construção de autoestima sem pensar que, como mulher negra, racismo e machismo muitas vezes dão o tom do meu corpo no mundo. Beleza nasceu também como um recado pra mim mesma: não esquecer de me olhar, de ver beleza na minha natureza e construir poder a partir disso. É minha experiência pessoal, mas como pessoa negra, sei como isso me conecta a outras mulheres negras, a uma coletividade”.
A faixa é norteada pelas principais influências noventistas de Elisa (do grunge à cena reggae/ska/hardcore californiana e divas r&b), aliando bases de reggae com linhas de guitarras sujas, camadas de vocais e pesada programação eletrônica. “Eu gosto de usar o reggae quase como um contraponto para falar de coisas desconfortáveis, por isso o estilo ganha contornos mais alternativos, mais indies nas minhas produções. Inclusive por causa dessas minhas influências 90’, acho que o arranjo de Beleza se aproxima bastante de uma vibe meio riot grrrl, como uma marcha feminista, que constroi autoestima apesar de toda dificuldade”. Single conta com o arranjo de sax barítono e flauta, gravados à distância, ainda no isolamento social em 2021, pelos músicos Adriano Caneta e Ênio Prieto. Do universo regueiro, a música tem o fundamental baterista Gabriel Pinto da Luz, da banda amazonense de reggae Johnny Jack Mesclado, da qual Elisa fez parte durante 8 anos. No piano acústico e contrabaixo, os experientes Ian Fonseca e Jérôme Grás, respectivamente, da banda Supercolisor. A mixagem é assinada por Rafaela Prestes e a masterização por Fernando Sanches, no Estúdio El Rocha.
Beleza ganha também um videoclipe, numa parceria com a Casa Matagal. Toda a concepção visual (roteiro, direção de arte, figurinos, maquiagem e cabelos) é assinada pelo elenco da Casa: Mother M4fel, Fernanda Varela, Zuri Uboro, Rosa Casca e Odara 007. A direção geral e a de fotografia são assinadas respectivamente por Victor Kaleb e Robert Coelho; Samya Carvalho e Fernando Faria Freitas são responsáveis pela montagem e Clau Rossatti pela correção de cor e finalização.
A ideia é representar belezas ignoradas e desvalorizadas aliadas a movimentos de voguing, que a cantora Elisa Maia se familiarizou frequentando os bailes de ballroom que acontecem, inclusive, no mesmo bairro que a artista reside, na Zona Norte, periferia de Manaus. O voguing tem as suas origens nas ballrooms de Nova Iorque dos anos 80 e se consolidou como dança e performance voltados para comunidades LGBTQIA+, principalmente negra, do mundo inteiro. No Amazonas, a cena vem ganhando destaque e o estilo se profissionalizando principalmente em Manaus. A Casa nasceu da disposição da Mother M4fel, afirmando a existência de mulheres pretas, cis e travestis, que assim como o matagal (vegetação rasteira que cresce à beira do caminho) tem a capacidade de nascer e crescer em todos os cantos, resistente.