Realizou-se, de 08 a 09 de novembro, em Salvador, o 2º Fórum Multilateral de Negócios no Mercosul, com objetivo de promover negócios e debates entre empresários do Brasil e países vizinhos.
A mais recente notícia, relativa ao Mercosul foi o ingresso da Venezuela no bloco, que já vinha sendo tentado e que enfrentou, por algum tempo, a resistência de parte do nosso congresso, ainda mais acentuada depois de uma declaração do Presidente Hugo Chávez que melindrou os parlamentares brasileiros. O último óbice era a resistência do Paraguai, membro pleno do Mercosul, em aceitar a entrada da república bolivariana no bloco. A deposição de Fernando Lugo, no Paraguai, por meio de um rito sumário, entendido pelos demais países do bloco como um golpe de estado, levou a entidade a suspender o pais-membro, abrindo uma brecha para a afiliação da Venezuela.
Este acontecimento, aliado ao fato de que o fórum é promovido pela FECAMVENEZ – Federação das Câmaras de Comércio e Indústria Venezuela-Brasil, conferiram um destaque à participação da Venezuela no evento em que, durante os dois dias, empresários, dirigentes e representantes de instituições diversas, apresentaram painéis que tiveram como temáticas a integração regional sob os aspectos econômico, comercial, de serviços, esportes e sustentabilidade, dentre outros.
No painel que tratava da integração econômica, comercial, de serviços e infraestrutura, o presidente da Fedeindústria – Federación de Câmaras y Associaciones de Artesanos, Micros, Pequeñas y Medianas Industrias y Empresas de Venezuela, Sr Miguel Perez Abad, apresentou a expectativa do governo e dos empresários venezuelanos quanto à integração ao Mercosul. Na ocasião ele afirmou que precisamos promover a união dos povos também no plano social, isto é, um irmanamento que extrapole os acordos comerciais e os discursos políticos.
Ao final da palestra, perguntei a Abad e demais integrantes da mesa, o que fazer para conclamar a sociedade a participar da integração que tem sido tratada mais no campo comercial e político. Preocupa-me, neste sentido, o pessimismo e preconceito de alguns formadores de opinião brasileiros que consideram o Mercosul uma imitação mal sucedida da União Européia. Os processos de integração regional são, por natureza, lentos e desafiadores, a própria comunidade europeia, usada como paradigma nos comentários de quem não acredita no Mercosul, tem seus percalços e entraves, como a não adoção do Euro como moeda comum em todos os países. No caso do Mercosul, os especialistas o enquadram na classificação de união aduaneira, porém imperfeita porque a implantação da TEC (Tarifa Externa Comum) ainda está cheia de exceções ou “perfurações” como se diz no jargão internacionalista.
O tema da integração social, veio à tona espontaneamente, noutros momentos do fórum e, penso que este é um momento mais que oportuno para refletirmos acerca do nosso papel como cidadãos brasileiros e atores do processo de integração, no nível dos povos. Comecemos por analisar antecedentes e buscar compreender dificultadores, especialmente no que diz respeito à aproximação dos brasileiros com os povos vizinhos.
De costas para a América do Sul
O território da América do Sul foi disputado palmo a palmo por Portugal e Espanha, inclusive por meio de tratados que nem sempre foram respeitados. Essa rivalidade luso-hispânica foi assimilada por Brasil e Argentina, tanto que a independência do Uruguai, sob a condição de não se unir à Argentina, e que o mediador inglês definiu como “colocamos um algodão entre dois cristais” foi uma solução para dissipar o conflito na zona fronteiriça.
A absorção de costumes e de elementos da cultura lusitana, tais como o idioma distinto do espanhol, também contribuiu para a apartação do Brasil em relação aos demais países da região. Nos processos de independência, enquanto no Brasil tivemos um herdeiro do trono português, noutros países tivemos personagens que atuaram em diferentes partes tais como San Martin e Bolivar, o que de certa forma ajudou a reforçar os laços entre os países de colonização espanhola. Exemplo notório é a Grã-Colômbia, formada no passado pelo que hoje são Colômbia, Equador e Venezuela (mais o Panamá), países que mantém afinidades culturais a despeito das diferenças políticas já que a Colômbia está mais alinhada aos EUA.
O período colonial nos legou também uma visão que privilegia o olhar da periferia para o centro, pela qual privilegiamos a moda da Europa, as novidades que acontecem nos países desenvolvidos, em detrimento daquilo que tenha origem e lugar nos países vizinhos. Naturalmente, que reconhecemos a existência de iniciativas políticas que fogem desse paradigma, tais como a Itaipu Binacional, o próprio Mercosul e, no Governo Lula, o foco na cooperação técnica sul-sul, que contempla a região sul-americana. Mas, no nível da sociedade, um exemplo dessa cultura voltada para as metrópole é que todos nós sabemos qual a capital da Inglaterra, da França, de Portugal, da Espanha, da Itália, mas pouca gente sabe, por exemplo, qual a capital do Equador. Numa entrevista à Carta Maior, o escritor, dramaturgo e roteirista de cinema cubano, Reinaldo Monteiro, expõe essa realidade:
“Os brasileiros, a maioria deles ao menos, não se sentem latino-americanos. Isso é muito curioso porque a influência do Brasil na América Latina e, em especial, em Cuba, é extraordinária. O conhecimento que há do Brasil em Cuba é enorme: o tropicalismo, o Cinema Novo, o primeiro título da coleção Casa de las Americas foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Eu vim para o Brasil pela primeira vez, em 1986, convidado pela Câmara do Livro de São Paulo, para a Bienal do Livro. Eu lembro que cheguei à noite e me levaram para o hotel. Quando cheguei na recepção do hotel vi num mapa da cidade que estava perto da Ipiranga com a São João. Ipiranga com São João? Alguma coisa acontece no meu coração…Eu saí do hotel e fui até à esquina da Ipiranga com São João, o que, naquele tempo, era muito perigoso. Esse é o exemplo vivo do conhecimento que há em Cuba sobre o Brasil.”
No período da Guerra Fria, os EUA projetou poder e influência na América do Sul, para evitar o avanço do comunismo, que já chegara em Cuba, e, no Brasil, uma das estratégias foi a instalação de centros culturais para o ensino de inglês. Nos anos 70-80 a música americana dominava a programação das emissoras de rádio do Brasil e Morris Albert, Michael Sullivan, Christian e Terry Winter são exemplos de nomes artísticos de brasileiros que cantavam em inglês para alcançar o sucesso. Essa invasão cultural, aliada às aulas de inglês, e não de espanhol, na educação formal, certamente fez sombra ao que poderia ter sido uma aproximação entre o povo brasileiro e os hermanos latinos.
Virando de frente
Como disse um dos painelistas do Fórum, Noel Marquez, Presidente da Fundación Grupo Madera, a Venezuela faz fronteira com o Brasil, mas os dois países viviam de costas um para o outro e a proposta agora é de virarmos de frente e abraçarmos a causa da integração regional no nível da sociedade, em paralelo à articulação econômica e política que acontece no âmbito do Mercosul, da ALADI e da Unasul.
Independente da ação dos governos, parece-me plenamente factível e salutar que nós, como cidadãos, adotemos uma atitude pró-ativa na busca dessa integração por meio de ações que estão ao nosso alcance. O estudo do espanhol já é oferecido na educação formal e priorizar o aprendizado desse idioma nos é possível porque além da oferta dos tradicionais “cursinhos” , existem cursos, a preços módicos, oferecidos por entidades não governamentais e por universidades diversas, dentro dos seus programas de extensão. Uma rápida busca no Google irá trazer à tona uma gama de opções, incluindo a educação à distância, com custos compatíveis com diversos níveis de disponibilidade financeira.
Pesquisar e estudar a história dos países vizinhos também é uma iniciativa accessível e que irá revelar o quanto de riqueza cultural existe nos diversos rincões da América do Sul, muitos deles pouco divulgados na mídia. A respeito disso, a TV Cultura apresenta uma série de documentários chamada “Tal Como Somos” que aborda aspectos tais como arte, cultura, comportamento, história de cada país latino-americano. E saindo da TV para a nossas idas ao cinema, podemos mesclar as produções hollywoodianas do circuito comercial com as películas sul-americanas que , vez por outra, são exibidas nas salas de arte espalhadas pelo país. Alguns títulos podem até ser encontrados em locadoras de DVD. SE mergulharmos no cenário musical, certamente teremos gratas surpresas além dos já conhecidos Mercedes Sosa, Juanes e Carlos Gardel.
Os que costumam viajar ao exterior e que talvez já visitaram a Argentina, o Chile e o Uruguai, podem explorar a diversidade cultural do Peru, que vai além de Machu Picchu e da cultura inca. Recomendo ainda conhecer o Equador que é bom, bonito e barato. Podem, sem medo, visitar a Colômbia, onde a violência urbana está melhor controlada que nas metrópoles brasileiras. Ou quem sabe ir para a Venezuela desfrutar do friozinho de Mérida e do sol tropical da Isla de Margarita, na mesma época do ano.
Os integrantes do Grupo Madera, da Venezuela, que estiveram presentes no 2º Fórum de Negócios no Mercosul, trouxeram tambores venezuelanos para serem doados a uma instituição baiana que promovesse a inserção social de pessoas carentes, por meio da música, como fazem Olodum e Timbalada. Este ato, mais que o valor monetário da doação, representa uma ação concreta de intercâmbio cultural que pode dar origem ao estabelecimento de laços permanentes de irmandade entre os dois povos. Aqui na Bahia, professores e estudantes que participaram de uma caravana de integração, parte de um projeto maior da UFBA, voltaram mais impregnados do sentimento de pertencimento à América do Sul, e criaram o Instituto Surear, cujo slogan é “Nosso Norte é o Sul”. Minha sugestão é que acompanhemos os projetos e eventos de instituições governamentais ou não, que têm a integração sul-americana como pauta, com, no mínimo, o mesmo interesse que acompanhamos as eleições presidenciais dos EUA ou a sucessão no governo da China
Enfim, essa lista de sugestões não pretende ser exaustiva nem mesmo uma “receita de bolo”. A intenção é estimular a adoção de uma nova postura em relação à integração dos povos sul-americanos, e demonstrar que, a partir do nosso maior interesse na região, poderemos nos apaixonar pela América do Sul, reforçar nosso sentimento de pertencimento ao continente, sermos protagonistas do processo de integração, debatendo inclusive o processo no seu viés político e econômico e usufruirmos dos seus benefícios. Vamos em frente. ¡Adelante!
A.C. Ferreira – Administrador, Especialista em Política e Estratégia, Especialista em Relações Internacionais.