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Globo pode responder na Justiça por personagem em Zorra Total

 

Provar que as liberdades de expressão e artística não estão acima da dignidade humana é mais uma das tarefas postas na luta anti-racista brasileira. A arena dessa vez podem ser os tribunais, e o réu, um dos grupos mais poderosos do país: as Organizações Globo. Para isso acontecer, basta um punhado de organizações sociais denunciarem o personagem Adelaíde do humorístico Zorra Total por afrontar os direitos individuais e coletivos da população negra.

 

Ganhar uma ação contra os herdeiros de Roberto Marinho não é nada fácil, mas as possibilidades são reais, e o advogado Humberto Adami está disposto a enfrentar: “É contra a Globo, e daí? Vivemos numa país democrático”. Ele explica que Adelaíde é a única personagem a que pode se considerar negra no programa. Maquiada para escurecer a pele e alargar o nariz, ela é quase desdentada, e fica pedindo esmolas num vagão de metrô. Os possíveis doadores a recriminam por portar um tablet, celular e sustentar um marido com perfil de alcoólatra. “O ator dar a entender que ela pede dinheiro porque não quer trabalhar. Ao final, ficam culpando ela mesmo pela condição. É uma dor interna, que incomoda. Esse humor só serve para rebaixar”.

 

 

O advogado está afiado com as armas jurídicas para entrar com um processo: “Isso é o que a jurisprudência qualifica como dano moral. Não é só proibir, o mas indicado é fazer a ação coletiva”. A experiência de Adami está balizada por casos recentes que movimentaram a opinião pública brasileira. Ele já representou um coletivo de dez entidades de mulheres negras contra uma letra da gravada pela Sony do agora deputado federa Tiririca. Ao final a batalha foi vencida, e a Sony foi autuada a pagar uma indenização recorde de R$ 1,2 milhão. Humberto rememora que o caso começou com quatro entidades, e era acompanhado pelo procurador da República, e hoje ministro do STF, Joaquim Barbosa. Passado o tempo, Barbosa viajou para os Estados Unidos, e o relator disse que a Criola, organização impetrante, não exprimia o sentimento das mulheres negras. “O caso estava sem advogado, até que um judeu me alertou no fórum. Procurei a articulação de mulheres e o caso passou a caminhar”

 

Conquistas como essa não são rotineiras para advogados que combatem o racismo. Adami construiu o mandato de segurança à presidenta Dilma e o Conselho Nacional de Educação devido a utilização das “Caçadas do Pedrinho” escritas pelo eugenista Monteiro Lobato no material didático da rede escolar. O Conselho de Educação chegou a concordar, mas recuou, e passou a responsabilidade na interpretação aos professores na sala de aula. ” Não é uma questão de liberdade de expressão, mas as regras e princípios educacionais. Já aplicaram pena de detenção sob o caso de nazismo num livro no Rio Grande do Sul”, indigna-se Adami.

 

Durante sua trajetória Adami teve passagem na ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e um dos questionamentos dos movimentos negros foi endereçado aos meios de comunicação devido a falta de espaço no debate das cotas raciais. Houve abertura inquérito via Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-DF), e o ministro na época, Edson Santos, tinha entendimento de dar continuidade a ação, relata Humberto Adami: “Saíram críticas a ação de entidades como a ABI. Mas eles têm obedecer as leis do país, e a melhor forma disso acontecer é fazer ações de danos morais, onde ficam observadas as liberdades”. No caso das peças publicitárias, como a da Devassa e as fraldas Turma da Mônica, o advogado diz que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) tem sido receptivo: “É importante que se faça esse tipo de denúncia. Eles não recebem demanda, não conhecem o tema”.

 

Outro caminho defendido por Humberto Adami é o Estatuto da Igualdade Racial: “Muita gente critica o Estatuto, se não é o melhor, é o que temos e a conjuntura possibilitou. O Estatuto deveria ser mais exigido, e não só Seppir, mas todos os órgão “Pir” espalhados pelo País”.

 

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