Além de se orgulharem de eleger, por dois mandatos, um homem negro para o cargo mais importante da nação, os estadunidenses possuem outros exemplos que, apesar dos limites do racismo institucional, ainda os colocam à frente do Brasil no quesito diversidade racial. O homem que controla uma das mais importantes cidades dos EUA é negro. Trata-se de Kasim Reed, 44 anos, prefeito da cidade de Atlanta, no sudeste dos Estados Unidos.
A cidade, com um PIB estimado em torno de U$295 bilhões e uma população de sua área metropolitana de 5,5 milhões de pessoas, é considerada por alguns militantes negros como “a Salvador que deu certo”, por também ter historicamente uma maioria negra, ter sido o centro do movimento negro nos EUA, mas que, diferentemente da cidade baiana, é controlada político e economicamente por afroamericanos. Durante os jogos olímpicos de 1996, a cidade cresceu bastante e com uma política planejada incluiu empresas dirigidas por negros (as) no evento, dando exemplo ao mundo por conseguir criar uma sólida classe média negra.
Atlanta é considerada também uma “cidade hub” nos Estados Unidos. 80% das cidades do país podem ser alcançadas em apenas 2h de voo por lá e o seu aeroporto, também controlado por um homem negro, é considerado o mais importante do mundo pelo seu tráfego aéreo, com mais de 95 milhões de passageiros por ano. Em uma conversa exclusiva com o Portal Correio Nagô, o prefeito Kasim Reed, que acabou de ser reeleito com mais de 80% de aprovação, falou sobre sua trajetória de vida e como veio, desde os 13 anos, planejando ocupar esse importante espaço na política mirando-se em outros prefeitos negros (Atlanta tem uma hegemonia de prefeitos negros desde os anos 70). “Eu tive exemplos concretos para seguir”, afirma o gestor.
Ao Portal Correio Nagô, o prefeito Kasim Reed externou sua vontade em aumentar a cooperação com o Brasil. A sua visita a São Paulo, nos dias 7 e 8 de abril teve esse objetivo. “Eu quero que Atlanta seja o segundo lugar favorito dos brasileiros depois de Miami”, disse. Por fim, o alcaide da considerada “roma negra dos negócios” mostrou interesse em dar apoio para a comunidade negra brasileira conquistar mais espaços no mundo da política e dos negócios. “Há vários cidadãos negros milionários em Atlanta, o Brasil precisa ter a mesma coisa” e lembrou que a cidade é também sede nos Estados Unidos de grandes empresas globais como a Delta Airlines, a UPS, AT&T, SONY Mobile Communications e Coca-Cola.
Confira a entrevista completa realizada no Hotel Renaissance, no centro financeiro da cidade São Paulo.
Quais as lições que os afrobrasileiros podem aprender da experiência de Atlanta?
Há muitas lições. Uma é organização, trabalho pesado, determinação e paixão. Eu diria que inclusão e o envolvimento de pessoas negras, as pessoas de cor, é importante para todo o Brasil. Uma das razões para o Brasil ser (um país) tão importante é porque vocês têm um país grande e com uma população inteligente, jovem e diversa.
Isso não é apenas uma questão moral (a inclusão da população negra), é uma condição essencial para saber se o Brasil vai continuar ou não a crescer. Isso vale também para os EUA. Os nossos países sofreram por não terem esse foco e não estarem habilitados para superar esses desafios. O Brasil tem crescido muito, vocês têm um caminho de crescimento…
O senhor disse que desde muito novo já havia pensado em ser prefeito…
Eu comecei a pensar em ser prefeito quando tinha 13 anos por causa do Embaixador Andrew Young (primeiro embaixador negro dos EUA na ONU) que disse que eu seria prefeito.
Eu fiquei curioso em relação a isso. Como o senhor planejou sua carreira?
Exemplos…exemplos! Se você é uma pessoa jovem e quer planejar sua carreira, você precisa identificar uma pessoa que seja um exemplo de sucesso. Daí treinar o que ele treinou, passar pelos desafios que ele teve para alcançar aquele patamar de sucesso. Eu tive exemplos concretos para seguir.
Eu tinha 13 anos, Andrew Young chegou na igreja onde minha família congregava e parou para falar conosco, daí fiquei pensando quem ele era, daí comecei a estudar sobre ele o Dr. Martin Luther King, na enciclopédia britânica, e descobri que o embaixador morava a 10 minutos de onde eu vivia. Daí li tudo sobre ele e sobre outros líderes negros e então, por Maynard H. Jackson (primeiro prefeito afroamericano de Atlanta) ser um advogado, eu fiz direito. Por Andrew Young ter ido para a Howard University (universidade negra de ponta) eu também fui, assim como a ex-prefeita, Shirley Franklin. Eu fui então eleito pela primeira vez quando tinha 29 anos. Isso é como você constrói sua vida.
O processo de decisão é poderoso. Decidir o que você deseja ser, organizar os passos necessários para isso é importante. Eu não era bom na escola apenas por querer ter boas notas, eu fazia isso pois queria ser prefeito. Por isso, eu digo as pessoas a todo momento: decidam o que vocês querem ser e organizem suas vidas para isso.
O estado da Bahia assinou com o condado de Fulton (onde fica a cidade de Atlanta) um acordo de cooperação em diversas áreas. Da mesma forma, a Coca-Cola lançou uma iniciativa direcionada à comunidade negra brasileira. Como o seu governo pode ajudar os afrobrasileiros a se prepararem para ocupar cargos políticos e abrir negócios?
Em primeiro lugar eu queria dizer que o presidente da Coca-Cola (que tem sede em Atlanta), Muhtar Kent, é um grande amigo e que possui fortes valores morais… Olha, nós estamos completamente disponíveis para essa cooperação na cidade de Atlanta. Nós temos uma estrutura com baixos impostos, um orçamento balanceado, pouco crime. Todo mundo precisa de um exemplo. Pense em como você pode contar uma história sem dar um exemplo, é difícil. Então, Atlanta pode ser um exemplo.
É um lugar onde as pessoas podem ir, a terceira maior concentração das maiores empresas dos EUA, uma economia de 295 bilhões de dólares, maior do que 27 estados da união, capital do sul, e onde pessoas negras e brancas se dão bem com a comunidade de negócios. Então, você precisa conversar sobre essa ideia com líderes do Brasil e eles devem gostar dessa estratégia. Nós queremos muito colocar nossa expertise e dados disponíveis para vocês.
O argumento que precisa ser dito no Brasil é que treinar pessoas negras é certamente um benefício para a economia e certamente você pode apontar para Atlanta e dizer que lá há uma forte classe média negra e de pessoas de cor, pois temos instituições que focam em treinar essas pessoas. Então, se você ligar para meu escritório para saber tudo que fizemos para grupos minoritários acessarem contratos públicos, por exemplo, eu vou designar um grupo de pessoas para te mostrar isso.
Se você deseja saber como os grupos minoritários participaram economicamente dos jogos olímpicos, por exemplo, nós podemos responder de maneira rápida e completa. Nós temos essa responsabilidade, pois somos a casa do Dr. Martin Luther King. Atlanta foi a cidade que mudou os EUA.
O senhor falou sobre política. E sobre negócios? Eu vejo que há muitas possibilidades de join ventures e startups com empresas de Atlantas. Com o senhor vê isso?
É preciso identificar os setores que têm maiores oportunidades de negócios no Brasil e vocês precisam identificar os indivíduos que têm interesse nessa cooperação. O caminho é básico. Há vários cidadãos negros milionários em Atlanta, o Brasil precisa ter a mesma coisa.
Se você tiver alguém talentoso (em negócios), há muitas chances de eu apresentar essa pessoa a uma mulher ou homem que criou um negócio multibilionário lá. Isso é como podemos ajudar.
Qual sua impressão sobre o Brasil?
Eu gosto do Brasil pois são pessoas agradáveis. As pessoas aqui lembram as pessoas lá da minha cidade, só possuem um sotaque diferente. Eu vou ficar os próximos quatro anos (de mandato) buscando formas de aumentar essa relação com o Brasil. Na época do embaixador Young, ele voo o mundo falando de Atlanta e se não fosse por ele nunca receberíamos os jogos olímpicos. Eu acho que isso será parte do legado que eu terei, seja ele qual for. Em 20 ou 30 anos haverá uma relação forte entre Brasil e Atlanta. Como eu disse ontem, eu quero que Atlanta seja o segundo lugar favorito dos brasileiros depois de Miami.
Por Paulo Rogério Nunes, especial para o Portal Correio Nagô