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A BLOGUEIRA, O PRESIDENTE E O QUARTO PODER

 A blogueira a quem me refiro é Yoani Sánchez, cubana que se tornou mundialmente famosa por manter o blog Generación Y  , por meio do qual faz a oposição ao governo do seu país, desde 2007, na época representado por Fidel Castro e hoje  pelo seu irmão Raúl.   

Recentemente, Yoani obteve permissão do regime castrista para viajar ao exterior e escolheu o Brasil.  Foi aclamada pela grande mídia como mártir e heroína, concedeu entrevistas a importantes veículos  da imprensa. Foi bastante hostilizada  por grupos de manifestantes que a acusaram de ser nada mais que uma agente a serviço dos EUA para fazer frente ao governo cubano.  A hostilidade foi tamanha que, em Feira de Santana, o Senador Eduardo Suplicy, que acompanhava a moça, indignou-se com os manifestantes e os desafiou a um diálogo ou debate civilizado. A manifestação, atribuída a militantes de extrema esquerda e acusada de ter sido patrocinada pela Embaixada de Cuba no Brasil, foi vergonhosa de tão exagerada.

Uma das entrevistas concedidas por Sánchez foi ao Programa Roda Viva da TV Brasil. Bem articulada, a jornalista, saiu-se bem na maior parte das perguntas. Numa delas, perguntaram como ela explicava que um regime tão “bicho-papão” teria permitido que ela viajasse ao exterior.   Ela respondeu que a ditadura também evolui e aprende e que, ciente da repercussão internacional que poderia ter uma ação mais “bruta”, estavam usando de métodos mais sutis de pressão. De fato, desde os Déspotas Esclarecidos, os ditadores  sabem que a imposição do absolutismo pode ser amenizada com práticas que camuflam o autoritarismo, fazendo-os parecer menos cruéis ao olhar desatento.

Passados mais de 50 anos da Revolução Cubana, os EUA ainda mantém o bloqueio econômico a Cuba e as autoridades cubanas, por sua vez alimentam esse antagonismo bem ao estilo Davi versus Golias.  Apesar da teima dos EUA em manterem a hegemonia, o  surgimento de potências médias e regionais configura um cenário político multipolarizado que reduz o brilho da estrela americana. Por outro lado, a insurgência popular tem contribuído para que cada vez mais  regimes totalitários deem lugar a sistemas mais democráticos. Tão teimosa quanto a sede imperialista americana, é a insistência dos cubanos no poder em manter um regime fechado tão cafona e demodé quanto esses dois adjetivos que acabo de empregar. Isso cria terreno fértil para a insatisfação, estimula a dissidência, e a crítica que se ouvia na voz de cubanos refugiados em Miami, encarna hoje, em Havana, na voz e no blog de Yoani.

O PRESIDENTE

 Hugo Rafael Chávez Frías , falecido aos 58 anos, no último dia 05 de março, tornou-se conhecido como Presidente da Venezuela por enfrentar os EUA, no seu estilo forte e retumbante.

Resgatando o sonho de Simon Bolívar, Chávez lutou por uma  América Latina unida, dizia defender um governo de participação popular que revertesse a lógica de governo que se dobra aos interesses das elites e se deixa manipular pelo capital. Rejeitou a Alca, aliança comercial proposta pelos Estados Unidos e sugeriu o fortalecimento da Alba, proposta inspirada  nos ideais bolivarianos.  Polêmico, dividiu opiniões, angariou muitos simpatizantes nas camadas populares e inimigos na classe alta, numericamente menor, mas detentora dos meios de comunicação.

Chávez presidia a República Bolivariana da Venezuela, desde 1999,  vencendo sucessivas eleições, sempre mostradas com suspeição de lisura pela mídia.  Tornou-se também conhecido pela postura anticapitalista e antiamericanista, sendo famoso o seu discurso na ONU quando se referiu ao Presidente George W. Bush como “o diabo”. Durante a XVII Conferência Ibero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, ao interromper sucessivamente o primeiro ministro espanhol, foi repreendido, pelo Rei Juan Carlos da Espanha, com a famosa frase “Por que não te calas?”.

Chávez morreu de câncer e defensores especularam um possível envolvimento dos EUA numa ação criminosa que teria causado sua doença.  Em 03 gestões sucessivas, conquistou o povo e conseguiu avanços, mas parece não ter  conseguido formar um sucessor à sua altura e deixou alguns problemas não resolvidos como a violência, inflação, caos no trânsito.

O QUARTO PODER

Protagonizado por John Travolta, o filme “Mad City” conta uma história que mostra o poder de manipulação da mídia para favorecer os interesses de terceiros e aumentar seus índices  de audiência. No Brasil, o filme ganhou o título de “O Quarto Poder” que é “uma expressão criada para qualificar, de modo livre, o poder das mídias ou do jornalismo em alusão aos outros três poderes típicos do Estado democrático (Legislativo, Executivo e Judiciário). “

No caso de Sánchez e Chávez a situação não é nada diferente. As grandes agências de notícias americanas e as brasileiras, especialmente, a Rede Globo e Revista Veja fazem parte do clube da mídia que defende interesses do capital.  No caso Yoani, a revista Veja, famosa nos últimos anos pela total falta de imparcialidade e opção pela  extrema direita dedicou mais uma matéria de capa (A Blogueira que Assusta a Tirania). Na matéria a revista evita mencionar que Yoani é graduada em Filologia e tem experiência prática em jornalismo, o que justificariam  o poder de retórica da cubana, e preferem apresentá-la tão somente como uma pobre moça frágil física e intelectualmente percebida como ameaça pelo governo castrista:  

“Sua simplicidade assusta os adeptos das tiranias. Moça perigosa essa!

Perigosíssima, a blogueira de prosa mais simples do que encantatória assusta a ditadura cubana e seus seguidores no Brasil simplesmente por expor na Internet os fatos básicos da vida infernal da população que deveria estar vivendo no paraíso comunista no planeta.

Yoani Sánchez, uma mulher de 37 anos que pesa 55 quilos e não mede mais que 1,62, já foi sequestrada, torturada  e acusada de praticar a variante mais grave dos crimes punidos pela ditadura cubana: defender a liberdade. Com um computador velho e ajuda de voluntários que recebem seus textos por e-mail e os publicam traduzidos para vinte idiomas, Yoani Sánchez rompeu os controles e virou inimiga do regime.”

Impregnada do indisfarçável viés ideológico que tem sido a tônica da sua linha editorial, a revista,  apresenta uma matéria jornalística que é mais um cordel da luta do bem contra o mal, onde o mocinho está à direita e o bandido está à esquerda, no sentido em que se entende e se concebe as duas principais visões políticas.     

A Revolução Cubana comandada por Fidel Castro, em 1959, teve o mérito de sacar do poder o governo entreguista do ditador Fulgêncio Batista e libertar Cuba da exploração perpetrada pelos EUA por meio das suas empresas instaladas na ilha. O governo implantado a partir da chamada Revolução da Sierra Maestra desagradou, de início, os interesses capitalistas americanos. Posteriormente, a aproximação de Cuba com os países do bloco socialista, inicialmente criando laços comerciais e, em seguida, políticos,  incomodaram ainda mais o Tio Sam. A fracassada Invasão da Baía dos Porcos, em 1961, demonstrou até que ponto os americanos estavam dispostos a intervir em Cuba para retomar o controle.  Na sequencia histórica  a Crise dos Mísseis foi outro momento delicado, já em plena Guerra Fria, que acirrou os ânimos e deixou claro que o objetivo imperialista dos americanos significava que a frase “A América para os Americanos” , que resumia a Doutrina Monroe havia se tornado “As Américas para os EUA”.   Portanto, aos EUA e às corporações americanas, Yoani Sánchez é útil, não sabemos se voluntária ou involutariamente.

As entrevistas de Yoani à Veja e à Globo foram feitas com intuito de identificá-la como a mocinha que enfrenta o regime bandido.  Na entrevista da Globo, Demétrio Magnoli não faz questão nenhuma de esconder qual a visão dele. Já no Programa Roda Viva, Yoani não  parece convincente quando responde porque escolheu fazer um blog num país onde o acesso à internet é controlado já que ela recusa a ideia de que busca a mobilização internacional contra o regime cubano.  Para alguém que não tem pretensões políticas, pareceu no mínimo, uma vaidade, ela dizer-se Embaixadora do Povo, uma vez que embora ela represente a voz de muitos cubanos, isso não significa que não existam simpatizantes do governo. Sendo assim, para quem disse entender a manifestação contrária a ela no Brasil como conseqüência da democracia, soa estranho que assuma um apelido que não parece ter sido cunhado pela  sociedade cubana.  No máximo ela é  porta-voz de parte não quantificada do povo cubano. Existem outras questões no mínimo mal esclarecidas nas motivações de Yoani, que estão expostas em alguns veículos de mídia, mas que à grande mídia, que de fato exerce o Quarto Poder não interessa discutir porque não há compromisso com a imparcialidade. Defendo o direito de Yoani ter opiniões contrárias ao regime e verbalizá-las, sou contra o radicalismo das manifestações dirigidas a ela. Penso mesmo que o regime cubano, apesar dos avanços obtidos no campo social, não mais se justifica naquele formato e que as novas idéias devem oxigenar aquela sociedade. Mas não quero ser ingênuo de acreditar que, dentre os defensores e apoiadores de Yoani Sánchez não há instituições protegendo interesses que não são exatamente os do povo cubano.    

No que se refere a Chávez, a grande mídia sempre ignorou as conquistas do seu governo  no que se refere à redução da pobreza, educação, combate à sonegação de impostos pelas empresas, ampliação da  participação popular.  Não se comenta nos grandes jornais que a chamada “greve de 2002” foi um mal sucedido golpe das elites contra Chávez tão recriminável quanto a tentativa liderada pelo próprio Chávez em 1992. A imprensa deu espaço às especulações de que as três eleições de Chávez foram fraudulentas, mas não deu espaço para  divulgar depois que os candidatos de oposição reconheceram suas derrotas e que os observadores internacionais legitimaram os processos eleitorais.  Essa imprensa que se arvora de Quarto Poder é a mesma que critica sempre os governos Rafael Correa e Evo Morales, que  defende o golpe de Honduras, do Paraguai e se abstém de analisar os governos da Colombia enquanto forem alinhados aos EUA.

À essa mídia, convém defender o povo de Cuba, desde que por povo cubano entenda-se Yoani Sánchez, na Venezuela, convém ignorar a voz do povo, enquanto esse povo disser “Chávez somos nós.”   É a mesma imprensa que se levanta unida contras as leis de regulamentação dos meios de comunicação que estão sendo debatidas em alguns países.  Alegam que as leis vão de encontro à liberdade de imprensa, mas estão, no fundo, defendendo seus oligopólios. Defendendo o direito de continuar manipulando a informação e controlar os meios de maior penetração junto ao povo, deixando que os geradores de informação contrária, se limitem aos blogs e redes sociais, assim como faz Yoani Sánchez. Qualquer semelhança entre o Quarto Poder  e os governos que combatem e denominam de tiranos deve ser mera coincidência.

A.C. Ferreira é Administrador, Especialista em Política e Estratégia, Especialista em Relações Internacionais

Referências:

Entrevista de Yoani Sánchez a Salim Larani: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/02/o-bate-papo-que-desmascarou-a-blogueira-yoani-sanchez.html

Entrevista de Yoani Sánchez  a Demétrio Magnoli (Globo News): http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2013/02/ainda-estamos-esperando-pela-flexibilizacao-politica-no-pais-diz-yoani-sanchez.html#cb=f2ab1abb59eda3a&origin=http%3A%2F%2Fg1.globo.com 2Ff13ee1d085bca81&domain=g1.globo.com&relation=parent&error=not_authorized

Entrevista de Yoani Sánchez a Tv Cultura (Programa Roda Viva): http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/yoani-sanchez-e-a-convidada-do-roda-viva

Revista História em Curso – Ano II, nº 3, pág. 42, O Reflexo da Revolução Cubana,

Hugo Chávez em Presidentes da América Latina:                        http://www.youtube.com/watch?v=0D3Nsc4wi_o

O Desafio de Compreender Hugo Chávez                    http://www.americaeconomia.com/analisis-opinion/el-desafio-de-comprender-hugo-chavez

A Unificação Latino-americana vem aí
http://www.slideshare.net/AntonioCarlosSilvaFe/fenae-fev2009

Revista Carta Capital n° 739 (13/03/2013), A Morte de Um Líder, págs. 36 e 40

Revista Capital – O Legado de Chávez:

http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-legado-de-hugo-chavez-para-a-america-latina/

TV Brasil – Programa Caminhos da Reportagem – Hugo Chávez: O Homem por Trás do Mito:

http://tvbrasil.ebc.com.br/caminhosdareportagem/episodio/hugo-chavez-o-homem-por-tras-do-mito

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