É sabido que uma das diferenças fundamentais nas discussões étnicas no Brasil e nos Estados Unidos é o fato de, no país de Obama, vigorar a ideia do one drop rule. O termo, que em tradução direta significa ‘regra de uma gota’, significa que basta que o cidadão tenha qualquer ascendência negra (apenas uma gota) para ser considerado um ‘afro-americano’. Aqui no Brasil, o fenótipo é mais relevante que a questão genética, então, aspectos como a cor do cabelo e traços do rosto acabam sendo mais determinantes. Já nos Estados Unidos é possível que uma pessoa de pele branca, olhos claros e traços finos possa ser aceita como uma mulher negra, sem maiores questionamentos.
Este é o caso de Rachel Dolezal, de 37 anos, presidente de uma associação que defende os direitos dos negros nos EUA e professora-adjunta da Universidade de Eastern Washington, onde leciona no departamento de estudos africanos. A ativista se envolveu em uma grande polêmica, após entrevista dada por seus pais biológicos na tevê americana, afirmando que a filha é branca e vem mentindo sobre sua origem há anos.
Os problemas de Dolezal, que dirige o escritório da NAACP (sigla em inglês para Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) em Spokane (Washington), começaram depois que a polícia passou a investigar ameaças feitas à ativista. Um relatório da polícia apontou que uma carta com referências a linchamentos e casos de racismo, recebida em fevereiro na caixa postal da NAACP, não tinha sinais de ter passado pelos Correios. A suspeita é de que ela mesma seja a responsável pela correspondência.
Depois disso, seus pais–ambos brancos– afirmaram em entrevista a um canal de TV local, o KREM 2, que Dolezal tem ascendência alemã e tcheca, com traços “fracos” de nativos americanos. “A Rachel quis ser alguém que não é. Ela escolheu não ser ela mesma e se apresentar como uma mulher afro-americana ou uma pessoa birracial. E isso simplesmente não é verdade”, teria dito a mãe da ativista, de acordo com reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo.
As fotos divulgadas pelos pais revelam Dolezal na adolescência, com a pele branca e os cabelos loiros e lisos. Hoje, ela se apresenta com o cabelo afro e a pele mais morena. Confira abaixo.
Processo judicial – Para piorar a situação de Rachel Dolezal, a mentira pode trazer problemas legais para além do constrangimento público, pois ela é membro da Comissão de Supervisão da Polícia de Spokane. A prefeitura abriu um inquérito para investigar se ela violou as políticas da cidade ao se identificar, em sua aplicação para o cargo, como branca, negra e índia americana. Dolezal se defendeu dizendo que não considera seus pais biológicos sua verdadeira família. Segundo ela, um processo judicial envolvendo os familiares a afastou dos pais.
Em nota sobre o caso, a NAACP, que tem sede em Baltimore (Maryland), defendeu a ativista. “Rachel Dolezal está passando por uma batalha legal com sua família, e nós respeitamos sua privacidade. A identidade racial de alguém não é critério de qualificação para a liderança da NAACP”, diz o texto.