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A noite de Maria esteve sobre o chão da Bahia – é dela a nossa terra

Berré publicaçãoNo dia 10 de junho, no belíssimo Theatro Municipal do Rio de Janeiro, aconteceu o 26º Prêmio da Música Brasileira, esta edição homenageou os 50 anos de carreira da cantora Maria Bethânia. Uma noite de gala para os produtores de uma das músicas populares mais poderosas do planeta. A nossa.

Foi delicadamente forte assistir Maria Bethânia no centro daquela noite. Vê-la errar, lotada de emoção, a canção O Quereres, do mano Caetano. Vê-la lançar a voz inigualável, ressoando a sua trajetória de rupturas e conquistas, marcada pela inventividade do povo da Bahia que a cantora levou na garganta para o mundo, abrigada pela cidade do Rio de Janeiro.

O Prêmio, como tudo entre nós é um símbolo, um ritual cheio de equívocos, que coloca estreantes, como As Ganhadeiras de Itapuã, sentadas atrás dos medalhões que lá vão para pegar seus troféus. As Ganhadeiras chamadas por algumas damas da elite branca  Zona Sul de “gentalha”, mas que na hora da dupla premiação, é o grupo mais ovacionado da noite. Inclusive por uma das damas nobiliárquicas. Mas, a premiação é séria. E se faz ainda mais séria quando para e homenageia a presença vibrante de um artista como Maria Bethânia – o mais inventivo entre nós nas últimas duas décadas.

Passagem das horas

A música brasileira precisa e merece uma festa de gala. Que reúna João Donato, Monarco, Áurea Martins, Hermínio Bello de Carvalho, Martinho da Vila, Zé Renato, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Elba Ramalho, Alcione, Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Chico César, Arnaldo Antunes, Lenine, Alceu Valença, Dori Caymmi, e tantos outros. Para além, lá estava também Nana Caymmi, é claro! Que preserve nossa história e memória musicais. Que nos convide à criação e possibilite a chegada de novos nomes, de novos artistas em caminhada. Difícil deixar de dar um troféu de melhor cantora de samba para Alcione, mas Mariene de Castro mereceu em 2014 este prêmio. E Alcione não é nossa melhor cantora de samba, é uma das maiores cantoras do mundo nascida no Brasil. Insistem em premiar Alceu Valença como cantor regional, o mesmo fariam com Luiz Gonzaga?

O Prêmio acerta quando dá voz a Dira Paes: uma das coisas mais agradáveis e competentes naquela noite. Algumas falhas do som e a entrega desarrumada dos troféus tiraram um pouco do “glamour”. E Alexandre Nero, bem eficiente, poderia ser “menos” para ser “mais”. Os dois foram os apresentadores desta 26º cerimônia de premiação.

Os convidados de Maria Bethânia

Nomes aprovadíssimos. Chico César e Lenine tiveram uma noite correta. Adriana Calcanhotto esteve bem apagada. Arnaldo Antunes não foi expressivo, difícil para ele cantar bem Lua Vermelha depois da gravação de Maria Bethânia. Zélia Duncan fez uma bela apresentação. Muito correta a presença de Mônica Salmaso. Roque Ferreira se apoiou na grande Fabiana Cozza, que estava bem intimidada. Mariene de Castro espraiou a força do candomblé. A mais esperada da noite, além de Maria Bethânia, Nana Caymmi cantou sem a costumeira vivacidade musical. Dori, seu irmão, arrasou. Caetano Veloso arrancou lágrimas ao imprimir a força da irmã e o começo de ambos na Música Popular Brasileira, visto pelo centro do Brasil.

Nenhuma das récitas esteve à altura de Maria Bethânia. Alcione foi arrebatadora cantando Negue do seu jeito, numa leitura de craque, sem se reportar à gravação de Bethânia. Contou uma história hilária dela com Maria Bethânia em Salvador e levou o Municipal às mais cortantes gargalhadas. Momento inesquecível.

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A Bahia em Maria Bethânia

É límpido o timbre grave da cantora acompanhando o som civilizador do atabaque. Na presença altiva da mulher no palco, amalgamam-se sinhazinhas, escravas rebeldes e rainhas iyalorixás ancestrais do mítico Recôncavo baiano. No movimento do braço há a leveza das quituteiras, no movimento dos pés o risco no chão da dança das iyaôs, no sorriso o dengue faceiro da nossa gente; nas letras das canções há misturas sonoras universais que partem deste lugar chamado Bahia que habita a garganta de Maria Bethânia. E ela perfaz o seu caminho de cacique transgressor desta nação. Um deus mulher. Liderança aldeã dominando o mundo pela arte. Em sua noite de homenageada, numa interpretação dilacerante de Explode Coração – Maria Bethânia mostrou a todos e a todas porque se tornou a mais importante cantora do Brasil. Ela mora e ama o Rio. Mas sua força brota do chão e das águas da Bahia, cuja capital é São Salvador.

Marlon Marcos é poeta, jornalista e antropólogo

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