Alguém já parou pra pensar que a esquerda pode estar perdendo seu espaço não por ter deixado de representar a sociedade e, sim, por não ter acompanhado os novos olhares periféricos e suas demandas?
Temos uma classe de ‘batalhadores’ que, como diz o sociólogo Jessé de Souza, encontrou no empreendedorismo uma possibilidade de ascensão social. Ascensão, sabemos bem, ocorrida boa parte nos 13 anos do PT e da esquerda no governo.
Acontece que não ter se atentando para o impacto destes avanços nas periferias, acabou virando-se sobre seus “bem feitores”.
Acreditando que a população seria ad infinitum agradecida e que bastava chegar às vésperas e lembrar de tudo que foi feito e já seria o suficiente para a manutenção deste projeto coletivo foi de uma preguiça ingênua.
Odiamos coisas alegadas ou, como mainha diz, ‘passada na cara’. Brasileiro gosta de dizer que conseguiu as coisas sem ajuda, e com muito sacrifício. É do brasileiro esquecer quem estava no caminho até ele chegar onde chegou.
O antropólogo Carlos Gutierrez detalha isso muito bem em seu estudo sobre “as identidades religiosas nas periferias e a produção social dos evangélicos”, nas periferias de São Paulo. Os dados iniciais do seu estudo mostram que “53% dos moradores de favelas que empreende, atribui sua melhoria de vida ao seu esforço, 24% à fé pessoal e apenas 5% ao governo”. Ou seja, SÓ 5% consegue entender que houve situações construídas para que esses chegassem onde chegaram.
Analisando as informações é possível ver que, se em 1970 era a igreja católica que politizava “trabalhadores” e assim fortaleceu a chegada da esquerda ao poder, nos dias de hoje são os evangélicos que passaram a politizar os “empreendedores” que em outros tempos eram assalariados.
Se antes o discurso da luta de classes e da organização sindical era o que prevalecia nas periferias, hoje são as escolas de “gestão empresarial” existentes nas Igrejas Universal do Reino de Deus.
Perdemos a bola ao não perceber como nosso discurso estava ficando distante das novas demandas destes, o que tornou os evangélicos vetores de transformação das mentalidades, sobretudo nas periferias. Já que hoje são eles os responsáveis por politizar antigos trabalhadores, convertidos em empreendedores, especialmente evangélicos em sua maioria.
Estamos perdendo a batalha, dentre outros fatores, por não ver as periferias como elas são: um espaço de abundância social, politica e econômica ainda não trabalhada em todo seu potencial.
Quem consegue ter esse olhar generoso sobre as mesmas está saindo à frente.
Luciane Reis é Publicitária, Idealizadora do Merc’Afro e pesquisadora de afro empreendedorismo, etno desenvolvimento e negócios inclusivos