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A pressa em desracializar a morte de Yá Mukumby

Diante da repercussão do assassinato de Yá Mukumby na vida religiosa, não dá para as matérias omitirem a informação de que o autor é evangélico. “Praticante do candomblé mata pastor, mãe e neta”. Essa seria a manchete se o inverso tivesse acontecido.

Eu vou explicar, tranquilamente, porque me revolta a cobertura do assassinato. O autor discutia com a esposa e matou a própria mãe quando esta tentou intervir. A mulher se escondeu na casa vizinha, e lá ele assassinou a facadas a Yá Mukumby, sua mãe de 86 anos e sua neta, de apenas 10 anos. Uma tragédia.

Aí vem a cobertura da imprensa e alguns comentários sustentando que o assassino era “apenas um louco”, que é exagero e radicalismo questionar a religiosidade. E já li quem culpasse as drogas, uma daquelas explicações genéricas e desinformadas usadas para dar ponto final a um assunto qualquer.

Ora, se é verdade que ainda não se pode afirmar a motivação dos assassinatos, eu quero saber porque a pressa em desracializar o debate, que só ocorre quando nós somos as vítimas. Segundo relatos, o assassino quebrou objetos religiosos e afirmava estar “com o Diabo no corpo”. Por que a intolerância religiosa não pode ser comentada? Por que a religiosidade do assassino não aparece se ela compõe a cena do crime?

O racismo é cruel e não respeita a nossa dor. A intolerância religiosa que deriva do racismo está aí pra dizer que o cara foi usado pelo Diabo para atacar “seus servos”, ou que é isso que acontece com quem segue o candomblé (como se não ocorressem tragédias com evangélicos. Se fosse um pastor assassinado por um macumbeiro, diriam que o Diabo o usou para atacar um “ungido de Deus”. O negro é sempre o vilão, mesmo quando prova que não).

Mas a confissão religiosa do assassino perturbaria essas tentativas de usar a tragédia para fins de propaganda religiosa ou contra o candomblé.

Lamento muito a morte de uma irmã, de uma mãe, a respeitada militante Dona Vilma.

E fico com as palavras dela, para que nunca sejam esquecidas:

“Acho que fiz minha parte, sim. Fui ousada ao encarar o preconceito de frente. Sou macumbeira porque macumba é um ritmo que se dança aos orixás.”

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