Redação, Correio Nagô – Entre 21 e 23 de novembro, a Bahia será o centro de debates sobre políticas públicas para estimular a economia criativa de empreendedores negros. O “Encontro África com a Diáspora Africana: Oportunidades para o desenvolvimento do Continente” acontece na Costa do Sauípe e vai discutir, dentre outros temas, as possibilidades de financiamento entre a Diáspora e os países africanos. O encontro, focado na área de negócios e governança, pretende aproximar líderes empresariais brasileiros e africanos.
Organizado pela Câmara dos Deputados do Brasil, por meio da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o Encontro tem o apoio de instituições como a Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e a Defesa dos Quilombolas, a Secretaria Nacional de Políticas da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), além da Fundação Cultural Palmares e APEX Brasil. Em termos estaduais, o Governo da Bahia colabora por meio das Secretarias de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e de Assuntos Internacionais e da Agenda Bahia (Serinter).
Um dos articuladores desse Encontro é o deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), cuja trajetória envolve atuação destacada em torno da temática afrodescendente: em 2002, por exemplo, ele reuniu pela primeira vez nacionalmente os parlamentares negros e, no ano seguinte, propôs a criação de uma Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial. Para conhecer detalhes de um evento que se propõe a repensar a África até 2063, o Correio Nagô conversou com o deputado. Confira a entrevista.
Correio Nagô – Como nasceu a ideia dessa reunião histórica de lideranças africanas da diáspora na Bahia?
Luiz Alberto – Realmente esse é um encontro histórico que surgiu de uma provocação de membros da União Africana e do comércio Panafricano que querem mobilizar a diáspora para envolvê-la nesse esforço coletivo do renascimento africano no processo de desenvolvimento do continente. O encontro vai discutir as experiências atuais envolvendo as empresas, os investimentos e a relação da América, particularmente o Brasil, com a África. Além disso, vai reunir empresários, cientistas, profissionais, artistas e parlamentares negros para discutir como a diáspora pode contribuir nesse processo. Em maio de 2013, a União Africana comemorou 50 anos de existência e eu estive presente, discutindo os processos e geramos um documento que estabelece as estratégias para a África nos próximos 50 anos, até 2063, e a diáspora terá papel relevante. Por ser o maior país com descendentes de africanos fora da África, nada mais justo que o Brasil mobilize a diáspora nas Américas. O encontro vai mobilizar governos de vários países africanos, intelectuais, assim como parceiros aqui nas Américas, como Estados Unidos, Brasil, Uruguai, Cuba, para debater o papel da diáspora para transformar a África em um continente importante na geopolítica mundial. Outro parceiro fundamental será o ativismo e a militância negra na região, toda essa energia construída ao longo desse tempo todo para realizar o encontro.
CN – São 150 milhões de afrodescendentes nas Américas. Como o senhor vê o potencial econômico dessa população e como esse tema será debatido no encontro?
LA – Na verdade é uma mão dupla: na medida em que essa diáspora se mobiliza para desenvolver o continente africano isso tem um reflexo também aqui. Isso implicaria uma parceria maior de agentes econômicos da diáspora com a África e o Brasil e pode ter um papel significativo. Mas precisamos garimpar esses agentes no Brasil, Estados Unidos, na Colômbia etc, para ver como podemos contribuir com essa energia. Porque, até então, os governos ainda estão construído uma relação com a África. Em relação ao Brasil, somente a partir do Governo Lula, essa aproximação se dinamizou. O mundo na verdade descobriu que a África tem um grande potencial para se desenvolver, não naquela relação colonial ou neocolonial, mas uma relação fraterna no sentido de construir um ambiente que permita que a África mantenha sua autodeterminação. É preciso que a diáspora entenda essa nova relação: não queremos reproduzir um ambiente de dominação econômica.
CN – Um tema que vem sendo discutido desde a época do Rei Selassiê, da Etiópia, é a repatriação de descendentes africanos pelo continente. Esse assunto fará parte do encontro?
LA – Algumas mesas certamente vão suscitar esse debate. Na medida em que intelectuais africanos e da diáspora desenvolveram conceitos em torno do panafricanismo, por exemplo, isso é muito importante porque cria ambientes em torno do repatriamento das identidades de forma mais objetiva. Ou seja, na medida em que alguém esteja no Brasil, Colômbia, Caribe ou nos Estados Unidos e se sinta no continente africano como parte desse processo, isso amplia essa compreensão atual da mobilização da diáspora.
CN – Recentemente o Haiti pleiteou uma vaga na União Africana, alegando que eles possuem um grande número de afrodescendentes. Em relação à inclusão do Brasil, o que se discute atualmente?
LA – Acho a reivindicação do Haiti muito justa, é uma provocação positiva já que se trata de um país africano fora do continente. O Brasil não tem essa característica. No entanto, temos uma população absolutamente majoritária em relação à sua identidade racial. Esse debate precisa incluir a dupla cidadania entre alguns países africanos para afro-brasileiros, por exemplo. Acho também que é o momento de se discutir uma série de assuntos, e o Brasil pode contribuir muito para além da relação econômica. Infelizmente não temos ainda uma tradição de um setor empresarial negro com papel muito significativo, mas acreditamos que a partir desse encontro essa condição possa começar a mudar.
CN – Em relação à mídia internacional negra esse aspecto no Brasil ainda é muito incipiente. O que está sendo pensando em ampliação da cobertura do ponto de vista africano aqui no Brasil e do ponto de vista afro-brasileiro para a África?
LA – A Mídia Étnica é um exemplo de uma rede que está se consolidando internacionalmente, mas é evidente que precisamos debater o papel da mídia internacional no Brasil e em alguns países africanos que tem impactado negativamente o ambiente cultural africano, especialmente aquelas emissoras de TV que trazem um conceito religioso e são muito agressivas às culturas tradicionais africanas. Acho que é um debate grande. A mídia tem um papel extraordinário no mundo e a constituição de uma rede de mídia negra nas Américas, dialogando com a África, pode ser uma ponte virtual e ao mesmo tempo real que vai articular os interesses do continente e sua relação com a diáspora.
CN – O que o senhor pode adiantar em relação aos detalhes estruturais e sua expectativa em torno desse Encontro?
LA – O encontro vai envolver governo, parlamentares, empresários que já investem na África, outros que pretendem investir. Temos apoio da Apex e vamos contar com a mobilização de chefes de estado de governos africanos, diplomatas do Itamaraty e queremos envolver intelectuais da academia de universidades africanas e brasileiras, ativistas e militantes negros. A logística terá apoio da PNUD/ONU e queremos fortalecer o papel das mulheres negras nesse debate. Vamos fazer um esforço para que o debate de gênero esteja presente em todas as mesas que vão discutir temas relacionados à saúde, agricultura, democracia, cultura, educação, juventude… A juventude que precisa estar conectada com a África atual com altas taxas de crescimento e não apenas com aquela África colonial estereotipada, arrasada por guerras e doenças. Será um evento para 450 pessoas, com inscrição pela internet e a perspectiva é que na abertura tenhamos a presidenta Dilma e a palestra magna com o ex-presidente Lula.