Os três últimos dias do carnaval de Salvador de 2014 foram os mais emblemáticos quanto ao tema da folia deste ano. A celebração pelos “40 anos de blocos afro” pediu mais espaço e atenção às entidades negras, dentro do carnaval, parcialmente atendidos, com o remodelamento da proposta do Afródromo. A intenção original era levar as entidades afro para um circuito próprio, no Comércio.
Em 2014, o Afródromo agendou os desfiles para o Campo Grande, no domingo, segunda e terça, em horário nobre, a partir das 18h, e criando espaços de visibilidade para as apresentações já previstas para entidades negras, entre afoxés, blocos afro e de índio. Carlinhos Brown, idealizador do Afródromo, comemorou o espaço garantido às comunidades no Carnaval Ouro Negro. “Hoje estamos dirigindo para que os grupos sejam respeitados pela força cultural que eles têm. Vamos sair da Avenida em direção a um trabalho anual nas comunidades, não compartilho da ideia do separatismo porque são essas as pessoas, da indústria criativa, que fazem realmente o carnaval acontecer”.
Desta forma, cerca de 30 entidades negras desfilaram nos três dias, propondo a passagem de uma faixa negra cedo, no circuito tradicional da folia. Tendo uma programação para cada dia, o atraso na saída do Afródromo foi recorrente, evidenciando também, a necessidade do alinhamento entre a proposta e a execução.
No primeiro dia, o Afródromo foi aberto com o tradicional desfile dos Filhos de Gandhy, que este ano celebrou 65 anos de fundação. Em seguida, foi à vez do Commanche do Pelô celebrar 40 anos com seu desfile, seguido pelo Comboio Africano, regido pelo idealizador do projeto, Carlinhos Brown. O Comboio reuniu blocos que desfilam nos circuitos Batatinha e Osmar como Mundo Negro, Filhos do Congo e Pai Borokô. A ala da dança foi composta pelo Balé Folclórico da Bahia e baianas seguidas por entidades como Bankoma, Abi Si Aiyê e Idará e a bateria teve percussionistas da Timbalada, Didá, Muzenza, Malê Debalê, Cortejo Afro e Ókánbi. Ainda integrando o Afródromo, o Apaxés do Tororó celebrou seus 45 carnavais na Avenida, com uma bateria composta por 300 homens e uma ala formada por 200 índios baianos de quatro etnias.
Outro destaque do Comboio foi o Grêmio Recreativo Lira Imperial do Samba que integrou o cortejo a convite de Carlinhos Brown. “A idéia foi assegurar nosso desfile e trazer para a Avenida nossa homenagem às antigas escolas de samba da Bahia” comentou Alaor Macedo, presidente da Lira Imperial. A Lira desfilou com cerca de mil pessoas e levou à Avenida toda estrutura de uma Escola de Samba com baianas, mestre sala, porta-bandeiras, bateria e abre-alas.
Na segunda e terça-feira, os desfiles levaram à Avenida entidades que já desfilavam no circuito, apenas reagendando seus horários de saída. Na segunda, Ilê Aiyê, Muzenza e Ókánbi integraram o Afrodromo. O Malê Debalê estava programado, mas não chegou a tempo de desfilar no conjunto. Na terça, Cortejo Afro, Filhos de Gandhy, Filhas de Gandhy, Ilê Aiyê, Muzenza e Commanche integraram o Afródromo. Os novos horários agradaram o publico presente na arquibancada. Boa parte não conhecia as entidades. “Já tinha ouvido falar muito, ma não conhecia assim de perto. Não sabia das alas e desta bateria tão potente. Agora entendo porque são guerrilheiros”, brinca o mecânico João Ricardo, referindo-se ao bloco Muzenza do Reggae.
O novo horário de saída surpreendeu o público, mas agradou boa parte dos associados. “Estava acostumada com o horário mais tarde, por isto cheguei atrasada. Perdi um começo, mas ainda sim gostei. Tenho que me acostumar com um bom horário. E é melhor ainda porque passo na TV”, comenta Iara Rocha, professora e foliã do Ilê.
Ao todo, o Afródromo movimentou cerca de 30 mil pessoas, com 36 entidades. A proposta do projeto é estimular a união, articulando as entidades e ampliando a visibilidade, destacando a recuperação estética. De acordo com o secretário de Cultura, Albino Rubim, o Afródromo se apresenta como importante instrumento que atende a preocupações da SecultBA desde a criação do Programa de Fomento Carnaval Ouro Negro, em 2008. “Com o Afródromo, estes blocos passam a ter uma voz poderosa. Eles podem, a partir disso, ter uma interferência maior nesta festa”, acrescenta Albino.
Camilla França
Com informações de Vanessa Pinheiro
* Reportagem especial de carnaval para o Portal Correio Nagô