Há poucos dias um companheiro de trabalho disse que candomblé é “Fuleragem”, termo usado na gíria cearense para algo ruim ou que não vale a pena. Mesmo triste, entendo o que faz ele ter essa visão. Estamos sempre publicizando as posturas ruins e não as coisas boas que encontramos nesta religião. É difícil defender o candomblé com tanta coisa ruim circulando ou sendo exposta. Precisamos falar de forma sacralizada da nossa religião. Sou de família evangélica, cresci na cultura do medo e negação ao candomblé. Quando Oxumarê decidiu, que eu seria seu elo com o mundo material, fiquei com muito medo e confesso, não acreditei.
Lembro que uma das minhas primeiras provas de fé foi reconstruir as visões negativas em meio aos “Yawo não isso, não aquilo”. E é disto que quero falar. De como os ensinamentos religiosos do candomblé estão presentes em nossa vida e nos molda. Que o Candomblé não é igual a outras religiões, é fato. Pai Tinho diz que “queremos ser de candomblé, mas não queremos os compromissos deste. Temos tanta coisa boa para falar e mostrar. Então porque sempre enxergam o candomblé como algo negativo? Por que nós que somos adeptos, somos os primeiros a associar esse a coisas ruins? Tem momentos difíceis, mas acredito que se olhar com carinho, os momentos positivos se sobressaem, basta querermos.
Ser de candomblé é mais do que vestir branco ou usar contas que a depender das posturas, não passam de miçangas ou colar de vidro no pescoço.
Passei por momentos onde a única coisa que tive do meu lado e pude me apoiar foi orixá, e poucos amigos que conto no dedo. Cresci muito enquanto religiosa nesta dor. Vivi um ano da solidariedade religiosa (não me envergonho disto), tive que perder para entender a energia que rege e molda meu ori. Perdi para entender a força das pedras e ferros de onde fui iniciada, mesmo com as coisas que me deixam chateada ou decepcionada com o mesmo. Força essa que fez com que todos os dias eu levantasse pela manhã, quando tudo que eu queria era morrer. Para alguém orgulhosa como EU, viver da ajuda da casa não foi fácil. Estava habituada a sempre ir buscar conforto espiritual, quando fui buscar a sobrevivência, foi complicado! Então, candomblé não é “Fuleragem”, não é uma religião que faz o mal como o imaginário popular acredita. Ele é o alicerce que nos moldou na travessia do navio negreiro, e garante a serenidade dos nossos oris nos dias atuais.
É o ponto de equilíbrio que nos ajuda a continuar seguindo em frente, mesmo com todas as dificuldades. Se não com a ajuda do povo, sempre de orixá. Ser de candomblé é mais do que vestir branco ou usar contas que a depender das posturas, não passam de miçangas ou colar de vidro no pescoço. É preciso muita coisa, para dar a uma conta a força necessária, acredito eu. Ele é o coach ou professor que, via seus ensinamentos, nos molda para enfrentar o mercado de trabalho e o mundo para além de seus portões. Candomblé é uma conexão pessoal formativa, onde se fazer de “louca” ou “egípcia com as pessoas autoritárias e difíceis nos terreiros, dá força e sabedoria para lidar com pessoas arrogantes e sem ética do lado de fora. Essas nos ensinam a usar a inteligência emocional.
É preciso ressignificar “o ser de candomblé”, no intuito de mudar essa visão negativa. Existe um motivo forte para está nesta religião e, com certeza, não são as roupas, vaidade, laço afetivo ou obrigação. É a presença de orixá.
É uma religião que ensina via os 21 dias de silêncio das águas de Oxalá, que nem sempre precisamos responder a uma forma desleal que estejam promovendo contra nós, e que devemos bater nossa cabeça e pedir justiça ao tempo. Esses ensinamentos me fazem notar que, desde que fui iniciada, tenho um orixá que não me abandona (a não ser quando passo dos limites). Como diz uma amiga, tudo que eu quis, tive. Precisamos alardear as coisas positivas que encontramos nessa e isso passa inclusive por nossas posturas. Ainda não me sinto capaz de ensinar ninguém, mas queria compartilhar esse sentimento, por conta de vários amigos que conversam comigo sobre as situações vividas em suas casas e do sentimento de terem sido abandonados. Como já passei por essas fases (passo ainda às vezes), queria dizer que é deste espaço que tiramos forças para seguir em frente.
Precisamos aprender a agradecer ao abraço que nos reenergiza e vem dos orixás. É preciso ressignificar “o ser de candomblé”, no intuito de mudar essa visão negativa. Existe um motivo forte para está nesta religião e, com certeza, não são as roupas, vaidade, laço afetivo ou obrigação. É a presença de orixá. Temos que agradecer pelas pessoas enviadas ou retiradas de nossas vidas, nem sempre do mesmo local que nós, mas, ainda assim, presentes de orixá. Que saibamos cotidianamente agradecer ao abraço que nos reenergiza e coloca acima de qualquer outra coisa.
Luciane Reis – Publicitária em breve uma pessoa melhor com os ensinamentos aprendidos na dor.