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ANO NOVO: O QUE DESEJA O POVO PRETO?

28/12/2018 | às 21h18

Bem viver. Esta resposta resume o desejo do povo preto para 2019. Para tanto, o Brasil tem ainda um grande desafio pela frente: superar o racismo. Sem isso, é impossível viver bem neste País que acumula uma série de violações contra a população negra. Por outras narrativas, ativistas/intelectuais negrXs falaram ao Correio Nagô sobre expectativas para o Ano Novo.

Thiffany Odara é negra trans feminista,  pedagoga, pós-graduanda em Gênero, Raça e Sexualidades, educadora social, redutora de danos e ativista dos movimentos LGBT, de mulheres, Negro, e antiproibicionista. Para ela, apesar dos desafios, 2019 será de aprendizado e reflexão.

Tiffany Odara tem esperança que mais pessoas estejam no centro dos debates | Foto: acervo pessoal

“Será um ano de muitos entraves, de muitas lutas, por conta de um governo conservador, por conta de um governo que prefere tirar bolsa-família para colocar ‘bolsa-estupro’, onde não se respeita a dignidade da pessoa humana, onde somos obrigadas a escutar que as minorias que se adequem à maioria,  não respeitando aqueles que, de fato, vivem em situação de vulnerabilidade social. Mas acredito também que seja um ano de aprendizado, que possamos refletir, agregar mais com as nossas bases, que possamos fazer um ativismo que possa trazer mais as pessoas para o centro dos debates e construir novas pontes e horizontes, entender que não dá mais para ficar naquele discurso de cada um  no seu quadrado, mas que a gente precisa estar junto contra os padrões e eixos de dominação. A militância precisa rever alguns conceitos, quebrar alguns orgulhos e lacunas que nos impedem de avançar”.

Zebu espera que as pessoas estejam mais unidas | Foto: Fábio Augusto

O professor de capoeira Zebu está receoso, mas acredita que a união fará a diferença. “Estou com medo e preocupado com o nosso povo. Fico rezando para que a gente esteja errado. A gente precisa se unir, fazer redes de contatos, estarmos juntos”, deseja.

FÉ NAS MULHERES NEGRAS

“Que os movimentos de mulheres negras continuem na liderança em busca e afirmação de um projeto em que nós tenhamos direito à vida, a uma vida sem violência, sem viver em sobressalto, sem medo de que os nossos saiam para rua e não voltem”. Esta é umas das expectativas da  socióloga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia Vilma Reis. “Que 2019 seja um ano que a gente possa fortalecer a posição de uma denúncia internacional sobre questão do genocídio de negras e negros no brasil. Que as mulheres negras quilombolas se fortaleçam na sua demanda de defesa de seus território”.

Vilma Reis destaca a importância das mulheres negras na luta antirracista

Vilma Reis destaca ainda que a população negra precisa ficar atenta ao mundo do trabalho, principalmente, no campo do serviço público. Que a gente se coloque de forma contundente para que os governos cumpram as políticas de ações afirmativas, cumpram as cotas e façam banca de verificação porque a gente não aguenta mais ser apunhaladas e apunhalados. Oportunidades são roubadas de negras e negros neste País por conta do não monitoramento dessas políticas que são tão importantes para a transformar a vida do nosso povo”,  explica.

AFIRMAR E DEFENDER

Hédio Silva Jr. é advogado e defensor da cultura e das religiões de matrizes africanas. Ele destaca que será necessário focar nos direitos e prerrogativas das religiões afro brasileiras, com uma atuação muito mais intensa no judiciário e nas cortes internacionais. O histórico ativista alerta ainda sobre o empenho em 2019 para garantir  as políticas de reparação.

Dr. Hédio Silva Jr. 

“Vai ser preciso um esforço grande para a mobilização da opinião pública internacional para que gente possa ter uma perspectiva de garantia do que foi conquistado pelo povo preto, para que não haja retrocesso, especialmente, no campo das ações afirmativas, no acesso à educação superior, no acesso, ao serviço público… e no esforço que precisa ser feito para reativação da ação política mais organizada do povo preto”, almeja.

“Que a gente se mantenha firme na atitude que é de não deixar que nenhuma escola seja fechada. Uma sociedade que fecha escolas está preparada para abrir prisões. Somos contra as prisões. Carregamos a crença do abolicionismo penal e no fim das prisões. Com certeza, uma sociedade emancipada vai pensar outras formas, no campo da justiça restaurativa, para pautar como  enfrentarmos as questões mais difíceis. Mas nós não aguentamos mais os presídios lotados com o nosso povo”, acrescenta Vilma Reis.

POR UM BRASIL COM MAIS REPRESENTATIVIDADE POSITIVA

Georgia Nunes almeja um ano com menos sub-representação

A designer e empreendedora Geórgia Nunes acredita que mais do que nunca, o povo brasileiro terá de pensar no poder de transformação de cada um e cada uma. “Somos nós que transformamos o mundo. E precisamos lutar cada vez mais agora por nossos direitos de sermos ouvidos, direito de se ver nas novelas e programas de TV, mas não mais num papel único, se ver em posições de poder, direito de se ver nos livros didáticos, infantis, juvenis e adultos, direito de acessar locais nunca antes pensados por pessoas pretas, direito de ter voz ativa para falar a ser ouvido, direito de poder correr e não ser confundido com ladrão, de entrar numa loja e não ser perseguido pelo segurança, de não ter medo de seu filho preto ser alvejado na rua pelo simples fato de ser preto”.

COMBATER A DESINFORMAÇÃO SERÁ PRECISO

Alane Reis aponta para o estratégico papel das mídias negras nos processos de resistência

A jornalista Alane Reis chama a atenção para as estratégias de combate à desinformação. “Será um ano em que teremos que renovar as nossas estratégias em relação a muita coisa. Isto vale para todo o movimento social como um todo. Nesse sentido, as mídias negras e comunitárias – que sempre foram ferramentas de resistência da população negra – diante de todo levante da extrema direita terão de pensar na segurança de seus produtores e produtoras. Terão de pensar em construir estratégias de segurança. Será um ano para se atentar ao combate desinformação, dado que ficou bastante evidente no processo eleitoral. Um outro debate que vale a pena considerar é da subsistência dessas mídias. A sustentabilidade ainda é uma utopia. Como continuar existindo, com público, garantindo a segurança das fontes e a nossa? Ou seja, sustentabilidade e segurança serão os dois grandes desafios que teremos de pensar para 2019. Esses desafios têm uma linha de atuação coletiva. Que a gente passe atuar coletiva em um campo mais real e menos discursiva para sensibilizar a sociedade. A gente vai terá de replicar textos, fazer trabalho em parcerias, visibilizar as produções de maneira coletiva”.

POR MAIS CONEXÕES ENTRE AS PESSOAS

Paulo Rogério chama a atenção para a necessidade de ampliação da agenda negra ainda mais internacional

Paulo Rogério é publicitário e cofundador da Vale do Dendê. Para ele, para enfrentar as adversidades, a população terá de pensar em estratégias de conexões.“O que a gente espera para 2019 é continuar conectando pessoas. Infelizmente teremos problemas sociais e políticos que nós, certamente, teremos que enfrentar. Daí a necessidade de cada vez mais ampliar essa agenda para esfera internacional, tanto no mundo do trabalho, como no social e político. Nosso foco de trabalho estará no estímulo ao empreendedorismo, no estímulo à inovação e em repensar Salvador, como uma cidade criativa e inovadora”, considera.

CABEÇA ERGUIDA E BICÃO NA DIAGONAL CONTRA O RACISMO

“Que a gente enfrente e encare esses desafios com cabeça erguida, bicão na diagonal, de pé para dizer que estamos aqui para enfrentar as barbáries do capitalismo, dos conservadorismos, da misoginia, do racismo e da LGBTfobia. Nós estamos de pé pela transformação de um mundo porque nós acreditamos em um presente e um futuro sem as manifestações de  violência que tem ceifado a vida de nosso povo. Viva a luta, viva nós, viva as águas, viva o fogo que esquenta a nossa luta e viva o vento e viva que pode varrer para longe de nós o que espreitam contra as nossas vidas. Que o barro, a palha nos dê força para a gente continuar de pé construindo um futuro de liberdade”, finaliza Vilma Reis.

 

Donminique Azevedo é repórter e editora do Portal Correio Nagô.

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