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Argentinos saúdam a Iemanjá com celebração africanista

Cerimônia completou 30 anos no último dia 02 de fevereiro com a participação de milhares de pessoas, realização de casamentos, batuque, danças e fogos de artificio à beira-mar.

 

Embora o relógio marque 19hs, o dia ainda segue claro. A praia está repleta de cidadãos e turistas; alguns simplesmente desfrutam do fim de mais uma semana e outros aguardam a chegada da caravana que “vestirá” a calçada de azul e branco. A aglomeração de pessoas, o tráfego intenso de carro e os arranha-céus denunciam o lugar como o centro da cidade litorânea de Mar del Plata (Argentina).  A ocasião que transforma a estética visual e cultural do lugar há 30 anos tem nome e identidade africana: Festa do Mar em Homenagem à Mãe Iemanjá.

Considerada a terceira mais importante da América Latina – depois de Salvador e Montevidéu -, a festa de Iemanjá na cidade reuniu no último domingo (02 de fevereiro), na Playa Popular, cerca de seis mil pessoas, entre cidadãos platenses, turistas e religiosos de distintas partes do continente latino americano e caribe, como Cuba, Uruguai, Brasil e Paraguai; e, também, do país argentino.

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“Na primeira cerimônia éramos 12 pessoas em uma praia distante do centro da cidade, sob a vigilância de quatro patrulhas e 16 policiais. Hoje, a polícia nos acompanha apenas para manter a segurança e a ordem já que superamos a participação de mais de sete mil pessoas”, conta o Babá Hugo de Iemanjá, que organiza a festa. Somente em 1999, a prefeitura da cidade concedeu permissão permanente e vitalícia para que a festa fosse realizada na Playa Popular, em pleno centro. “Trabalhamos muito nos últimos 30 anos para conseguir isso, recorremos várias praias das mais próximas às mais distantes”, resumiu.

Carregando balaios e barcos repletos de flores, perfumes, joias, velas, frutas e adereços que representam a beleza feminina, mais de 200 pessoas, entre crianças, jovens e adultos se organizam em fileiras na calçada do Edifício Casino sob o olhar da imagem de madeira africana de Iemanjá, trazida em 1995 da Nigéria. Com o passar dos anos, a festa foi adquirindo lugar social, cultural e religioso na cidade: na semana que antecedeu o 02 de fevereiro, o Babá Hugo de Iemanjá concedeu entrevista para 23 rádios argentinas, quatro jornais da cidade, duas rádios da internet, uma emissora de televisão de Buenos Aires e os quatro canais de televisão de Mar del Plata.

De acordo com o antropólogo Alejandro Frigerio, a festa de Iemanjá tem ganhado, cada vez mais, notoriedade no país. “Nas praias de norte a sul da Argentina podemos ver os umbandistas deixarem suas oferendas e realizar suas cerimônias em homenagem a orixá. Se há alguns anos estas oferendas eram feitas durante a noite ou na madrugada, hoje já se realizam em plena luz do dia”, afirma o pesquisador que grava um documentário sobre a festa com os cineastas Darío La Vega e Claudio Romero.

A popularização do culto à Iemanjá é percebida em distintas partes da América Latina. Se antes era somente o povo de santo que oferendava à rainha do mar, hoje milhares de pessoas que não praticam a religião comparecem à festa e depositam flores e pedidos nas águas. É o caso da aposentada Margarita Testini de 60 anos, que há cinco viaja quatro horas de Quilmes, localizada na província de Buenos Aires, até Mar del  Plata para agradecer os pedidos realizados e, também, renová-los. “Foi Iemanjá que me deu a casa que eu vivo hoje. Sou muito agradecida a ela. Hoje, eu vim pedir a ela para dar um homem só para mim”, disse Margarita um pouco encabulada.

A cerimônia contou ainda com a celebração de dois casamentos na religião e após a entrega das oferendas no mar, uma chuva de fogos de artifícios iluminou e encerrou mais uma noite de homenagens.

 

A toda sorte de agrados

O reconhecimento da festa de uma das Yabás mais reverenciadas da América é tanto por parte da população argentina quanto por parte do governo do país: No ano de 2000, foi declarada de Interesse Turístico pela EMTUR Mar del Plata; em 2003, foi declarada de Interesse Cultural pela Sub-Secretaria de Cultura do Partido de General Pueyrredón e em 2012, a província de Buenos Aires, por meio da Secretaria de Turismo, declarou de interesse turístico a nível provincial.

Esse processo faz da reintrodução das religiões de matriz africana na Argentina tem origem desde o sul do Brasil e do Uruguai: a Umbanda e a Quimbanda, de caráter mais sincrético, e o Batuque, com elementos mais africanos. Ambas se converteram nas dos grandes variantes da religião afro no solo argentinos e, por isso, são, atualmente, as duas principais correntes responsáveis pela luta política e reconhecimento da sua prática.

Segundo dados do governo nacional e da cidade de Mar del Plata, são cerca de três milhões de pessoas que fazem parte das religiões de matriz africana no país, reunindo cinco mil casas/templos na Argentina e destas 40 estão em Mar del Plata. “70% dos templos estão na cidade de Buenos Aires, 10% na região metropolitana da capital e o restante nas outras cidades”, acrescentou Babá Hugo de Iemanjá.

A maioria das casas conta com certificação da Dirección de Culto no Ministério de Relações Exteriores e Culto do país, que registra e beneficia as casas com a liberdade para o exercício da religião e representa proteção a nível legal. “Nossa religião não é muito familiar na Argentina. Faz pouco tempo que começou a se expandir, principalmente depois da Lei de culto. Isso refletiu no interesse das pessoas sobre a cultura e ancestralidade africana”, argumentou o pai de santo uruguaio Juan de Ogum.

 

Juliana Dias, jornalista e mestranda em Comunicação e Direitos Humanos na Universidade Nacional de La Plata. Reportagem especial para o Portal Correio Nagô.

Fotos: Patricia Cantu 

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