Quase às vésperas do Natal de 2012, a mídia noticiou que um homem, disparou tiros numa escola no Estado de Connecticut (EUA) e fez 27 mortos. Esse tipo de fato que, acontece com certa frequencia nos Estados Unidos, e raramente no Brasil, sempre causa uma comoção naquele país e uma indignação no nosso. As pessoas aqui começam a imaginar como deve ser difícil para uma mãe americana mandar os filhos para a escola diariamente, temendo que algo similar aconteça.
Cada vez que um fato desses acontece, reacende o debate sobre o desarmamento pois, sabe-se que, nos Estados Unidos, a posse e o porte de arma é um direito garantido pela constituição e, hoje em dia, há todo um lobby da indústria de armas para que esse dispositivo legal não seja alterado. A mim, interessa analisar essa questão como analogia para a realidade brasileira.
Nos EUA as leis são rigorosas, a justiça funciona melhor e não raro vemos celebridades sendo presas pela polícia, até por cometerem delitos mais comuns como dirigir embriagado, drogado, etc, situações que, no Brasil, muitas vezes são resolvidas com o famoso “sabe com quem está falando?”. Isso quando a própria polícia não reconhece o famoso e evita a abordagem, pela certeza da impunidade.
Aqui no Brasil, onde a lei e a justiça carecem de melhor funcionamento, curiosamente, a população votou contra o desarmamento sob diversas alegações. Até parecia que portar armas era a salvação do nosso problema de segurança pública e que com menos armas teríamos mais crimes. Aproveitando a oportunidade vamos analisar três dos argumentos que foram usados pelos que votaram contra o desarmamento, não para determinar que o nosso pensamento seja a inquestionável verdade, mas para enriquecer o debate com um outro olhar:
“O governo deveria se preocupar com a fome e a miséria” – é por demais simplista imaginar que o governo, em especial de uma nação grande e complexa como o Brasil, tenha que esperar que não haja mais nenhum faminto ou desempregado, antes de construir estradas, aeroportos e fomentar o turismo, por exemplo. A sociedade se compõe de vários segmentos, cada um com suas necessidades e todos pagam impostos; o governo se compõe de ministérios com verba para cuidar das suas atribuições e certamente que a educação, a saúde e a segurança, por exemplo, devem ser priorizadas, mas não são as únicas necessidades. Basta lembrar que, a produção e exportação de bens de alto valor agregado, como aviões, gera emprego, renda e captação de impostos ao país, que serve inclusive para investir nas áreas prioritárias. Assim sendo, discutir o desarmamento, o aborto e outros temas pode não ser prioridade, mas também não tem que esperar a erradicação da fome e da pobreza.
“O governo devia desarmar os bandidos e não o cidadão” – mesmo nos países mais desenvolvidos e menos desiguais socialmente, os bandidos andam armados e o crime existe, embora em bem menor escala. Ao governo cabe prover a segurança pública, aplicar a lei e prender os contraventores, mas isso não exclui a possibilidade de regular a posse de armas por parte dos cidadãos comuns.
“Se a população for desarmada, os bandidos vão agir com mais intensidade” – quem ingressa no crime não leva em conta se a população está armada ou não, pois se assim fosse, bandido não assaltava banco, não assaltava carro-forte, nem trocava tiros com a polícia. O bandido assume o risco da ação criminosa e até assalta com arma de brinquedo ou apontando o dedo sob a camisa, simulando que tem um revólver, sem se preocupar com o risco que ele corre se a vítima reagir e estiver armada de verdade.
Como se não bastasse, ainda lembro de um argumento bem no estilo das teorias da conspiração, que dizia que o governo queria desarmar a sociedade civil para facilitar o domínio das massas e eliminar as possibilidades de um levante armado. Durante o regime militar tivemos resistência armada, especialmente de grupos ligados ao comunismo, mas será mesmo que atualmente, alguém imagina a sociedade civil brasileira pegando em armas para fazer uma Primavera Brazuca ou estaria mais propensa a deixar que as questões sejam resolvidas pela Polícia Federal ou pelo STF? Certamente que alguém pode questionar que, mesmo que estes argumentos não sejam suficientemente fortes, que justificativas teria eu para defender uma campanha que visa desarmar o cidadão honesto e pagador de impostos? A meu ver a posse de arma não tem trazido nenhum benefício concreto, mas tem trazido alguns malefícios. Não vejo relatos de cidadãos comuns evitando assaltos e crimes porque estavam armados, mas sei de casos de cidadãos armados que tiveram suas armas roubadas ou apreendidas por ladrões em ação e estas armas passaram a servir ao crime. Em algumas situações de assaltos a ônibus, lemos relatos de que alguém que estava no ônibus, reagiu, matou o bandido e desapareceu. Certamente este “herói” não era um cidadão civil, mas certamente um policial à paisana que escolheu reagir, contando com o elemento surpresa, antes que os bandidos se aproximassem, descobrissem a sua arma e sua condição de policial e o executassem . Uma questão de instinto de sobrevivência, inclusive com riscos para o atirador e para os demais passageiros do ônibus pois nem sempre estas reações terminam com a morte do bandido e pronto.
Não são comuns aqui os crimes como os que acontecem nas escolas americanas, embora já tenhamos tido pelo menos um igual, mas são comuns os crimes cometidos por cidadãos que nunca tiveram uma passagem na polícia. A arma na mão do cidadão comum é a que resulta num crime passional, é a que dispara e mata por descuido de alguém manuseando a arma para se exibir e é a que um motorista usa para matar outro depois de uma colisão de veículos ou no meio de uma discussão num bar. E quando isso acontece temos ao menos duas tragédias: um cidadão morto que deixa uma família e um outro cidadão, que vai ser encarcerado para pagar pelo que crime que cometeu.
Não acredito que uma arma a mais na mão de um cidadão represente de fato aumento da segurança, nem que iniba a ação dos bandidos. Mas, uma arma a menos na mão de um cidadão pode representar menos pessoas morrendo em brigas de trânsito, em mesas de bar e mesmo nos lares.
A.C. Ferreira é Administrador, Especialista em Política e Estratégia.