O ator baiano Thiago Almasy, conhecido pelo personagem Junior de “Na Rédea Curta”, faz a sua estreia no cinema com o curta de ficção científica “Via Láctea”, gravado no Subúrbio Ferroviário de Salvador. A obra já pode ser conferida no canal do artista no YouTube, plataforma onde permanece em exibição por sete dias. A trama gira em torno da chegada de alienígenas à Bahia com o objetivo de dominar o planeta quando, prestes a dar início à missão, têm seus planos impactados por um fenômeno global: a pandemia de covid-19.
Escrito por Almasy e pelo também ator Genário Neto, o filme foi rodado em cinco dias de fevereiro, no Alto do Cabrito, Subúrbio Ferroviário de Salvador, e se propõe a discutir questões sociorraciais. A dupla – famosa por interpretar, respectivamente, Júnior e Meire, na websérie Na Rédea Curta -, dá os primeiros passos à frente de uma produção cinematográfica cuja equipe é totalmente baiana e majoritariamente negra. Segundo os roteiristas, o curta-metragem – pensado, escrito e gravado durante a pandemia – chega para agregar ao audiovisual da Bahia.
“É um filme que lida com o fantástico. A ficção científica e a fantasia têm o poder de usar alegorias para refletir a própria condição humana. É um filme que tem muitas provocações”, diz Thiago, que faz uma pequena participação frente às câmeras. A começar pelo fato de que os alienígenas, que vêm na condição de colonizadores, passam a enxergar sob a perspectiva de pessoas em posições subjugadas. “É uma história que aborda o colonizador entrando no corpo do colonizado e experimentando essas subjetividades, as violências atravessadas por aquele corpo”.
Almasy conta ainda que a obra, que tem cerca de 27 minutos, marca sua estreia como diretor e a amizade de oito anos com Genário Neto, um dos protagonistas do curta. “É a nossa entrada definitiva no audiovisual. Em Salvador, a gente tem uma carência grande, que coloca nós, atores, à espera dos trabalhos chegarem. Agora estamos nos capacitando para contar nossas próprias histórias e perspectivas”, afirma.
Para Genário, atuar em Via Láctea, contudo, foi uma experiência diferente de todas as outras. “Iniciamos de um argumento e fomos desenvolvendo as cenas. Escrever foi um processo rápido, uns quatro dias. Atuar foi complicadíssimo, primeiro porque eu estava fazendo uma coisa que ajudei a construir, depois porque a gente não teve processo de ensaio, preparação, por causa da pandemia. Tentei desapegar um pouco das práticas humanas. Todo o meu movimento interior, de memória e emoção, estava no sentido de que eu precisava pensar em alguma matéria inocente. Porque aquele ser luminoso era bem inocente”, explica o ator.
Via Láctea
Em Via Láctea, os extraterrestres não têm a forma de pequenos marcianos verdes, mas de uma luz com consciência que foge à compreensão humana. Eles não podem transitar em matéria, em decorrência das condições atmosféricas, por isso, se hospedam em corpos humanos. Neste caso, em quatro corpos. O de Rosa, a escolhida; o de um mendigo, o conselheiro espiritual, que cuida de Rosa; o de um policial militar, o arquiteto responsável por construir a máquina de terraformação; e um quarto personagem, a ponte, que tem o contato direto entre a terra e a nave-mãe – este deságua num ponto que causa certa reviravolta nos planos.
Rosa, interpretada pela atriz Márcia Limma – veterena nos palcos da capital baiana e indicada ao Prêmio Braskem de Teatro pelas peças Medéia Negra e Holocausto Brasileiro -, acaba hospedando a rainha e tem a missão de se sacrificar para repovoar a terra com novos seres. Quando a rainha entra no corpo de Rosa, uma mulher negra, mãe solo, que acabou de sair de um relacionamento abusivo, o inesperado acontece. “A consciência da rainha, que é maternal, toca na consciência humana da mulher que não consegue ser a mãe que gostaria por razões diversas, entre ser uma mulher preta, periférica, etc, é como se essas duas coisas fossem convergindo para um ponto comum”, adianta Thiago.
Com orçamento de R$100 mil, fruto do Prêmio Conceição Senna de Audiovisual, por meio de edital municipal da Fundação Gregório de Mattos, e incentivo da Lei Aldir Blanc, Via Láctea apresenta ao telespectador trilha sonora própria, atmosfera de magia e narrativa que toca também questões sociais, como representatividade – sobretudo ao dar protagonismo aos personagens quase que na mesma medida.
Via Láctea tem produção executiva de Ary Rosa e Fábio Osório Monteiro, que também atua. Esta é a primeira produção, com verba captada, assinada pela ULTIMA Plataforma, selo de produção artística criada por Thiago com o ator Sulivã Bispo, intérprete de Mainha, em Na Rédea Curta.
O curta, garantem os autores, parte da premissa de descolonizar narrativas e dar protagonismo e dignidade à existência de pessoas historicamente invisibilizadas. Márcia Limma, Genário Neto, Fábio Osório Monteiro, Antônio Fábio, Fernanda Silva e a atriz mirim Aya Dantas dão vida a personagens que, reforça Almasy, são complexos o suficiente para agregar valor à Via Láctea, que tem potencial para se desdobrar em coisas maiores.