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“Bolsa Família” sul-africano é cancelado antes de entrar em vigor

Projeto social foi muito criticado por atrelar recebimento de refeição a trabalho de um dia para o governo

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Depois de viagem realizada ao Brasil em 2010, membros do departamento de desenvolvimento social da Cidade do Cabo criaram um programa que tinha o objetivo de “combater a fome e gerar emprego”. Na campanha pública, fizeram uso do sucesso do brasileiro “Bolsa Família” para promover o programa governamental, anunciado como o “primeiro modelo de transferência condicional de recursos do país” e denominado “Trabalhe por comida”.

A ideia era substituir as atuais “cozinhas populares”, locais de distribuição de refeições, por centros que encaminhariam as pessoas para trabalho públicos – como, por exemplo, limpeza de ruas. Como pagamento, as pessoas receberiam um prato de comida diário.

Idealizado pelo ministro de desenvolvimento social da região, Albert Fritz, o programa se baseou no conceito de “transferência condicional de recursos” do Bolsa Família. Mas enquanto o modelo brasileiro oferece ajuda financeira em troca de crianças na escola e vacinas em dia, o projeto sul-africano exigia que as pessoas trabalhassem em obras do governo.

Com previsão de lançamento para o início de janeiro, depois de atraso nos centros pilotos que originalmente deveriam abrir as portas em julho de 2012, o governo do Cabo Ocidental anunciou o cancelamento do programa devido à “recusa do público”.

Organizações de direitos trabalhistas protestaram apontando que o programa incentivava a mão de obra barata e informal, o que aumentaria ainda mais o índice de desemprego na região. Entre janeiro e março de 2012, mais de 4,5 milhões de pessoas estavam sem trabalho há mais de um ano. Outros afirmaram que o projeto violava a Constituição Nacional, que garante para todo cidadão “segurança social e bens básicos, até mesmo para aqueles sem condições de sustento próprio”.

A maior oposição veio do partido político ANC (Congresso Nacional Africano, na sigla em inglês). “Eles não podem obrigar as pessoas a realizarem funções que são responsabilidades dos governantes. Aqui na África do Sul, quem tem fome não pode esperar”, reclamou a porta-voz de desenvolvimento social da ANC, Zodwa Magwaza.

Eficiência questionada

Professor de política e sociologia da Universidade da Cidade do Cabo, Jeremy Seekings realizou diversos estudos sobre projetos de transferência condicional de recursos em países como Brasil e Índia. Segundo ele, apesar de ter obtido extremo sucesso na América Latina, principalmente para diminuir a desigualdade social dos brasileiros, esse tipo de programa não seria necessário e nem mesmo eficaz para o país sul-africano. “A pobreza na África do Sul é resultado de desemprego e AIDS. Os projetos condicionais não ajudam na criação de emprego e nem na melhoria do sistema de saúde pública”, disse.

Além disso, o também diretor do Departamento de Pesquisa em Ciências Sociais da universidade destacou que grande parte das crianças já frequenta a escola no país e condicionar este ato não seria necessário.

Estudo do fórum mundial IBSA (Índia, Brasil e África do Sul) sobre pobreza mostra que no Brasil o Bolsa Família foi responsável pela queda de um terço da desigualdade social nos últimos anos. Já na África do Sul, a assistência social é baseada em transferências incondicionais de renda e cobre mais de 14 milhões de pessoas (30% da população) a cada mês, sendo responsável por 3,5% do PIB.

Restaurantes Populares

Apesar do fracasso do “Trabalhe por comida”, a viagem feita ao Brasil em 2010 não foi em vão para os sul-africanos. Foi nessa ocasião que Patrick Andries, da organização Food Bank AS, conheceu os restaurantes populares de São Paulo e Minas Gerais, programa do governo Lula que oferece refeições em grandes centros urbanos por menos de dois reais.

“Fiquei surpreso com a forma como o governo brasileiro conseguiu levar dignidade ao ato de pedir ajuda para comer. Aqui na África do Sul o que predomina são as Soup Kitchen`s, locais onde as pessoas passam com seus pratos para pegar refeições pouco nutritivas”, conta o diretor regional do Food Bank SA para o Cabo Ocidental.

Depois de apresentar um projeto de implementação dos restaurantes populares na África do Sul, Andries conseguiu apoio do Departamento Nacional de Desenvolvimento Social do país. Nas últimas semanas, três restaurantes piloto foram abertos ao redor da Cidade do Cabo.

“O grande desafio agora é mudar a cultura dos sul-africanos. No Brasil a gente percebeu que a refeição era um evento para as pessoas, elas sentavam e aproveitavam uma comida nutritiva. Aqui eles ainda querem somente pegar a comida e ir comer na rua, na calçada. Estamos pedindo que eles experimentem ficar no restaurante para comer. Está dando certo”, diz a diretora do projeto.

Fonte: Opera Mundi

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