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BRASIL, UM PAÍS DE TODOS (?)

Fui assistir “Intocáveis”,   o filme francês mais comentado de 2012. Há uma variedade de opiniões  da dita crítica especializada, ao filme classificado como uma comédia leve baseada num drama real.  A uma parte dos críticos não escapou, entretanto, as questões de xenofobia e preconceito, tratadas de maneira sutil no filme, como assinala José Geraldo Couto na sua coluna do Instituto Moreira Salles.

Dei boas risadas durante o filme, mas não deixei de sair da sala de cinema com algumas reflexões que quero compartilhar neste espaço, acerca da questão mencionada por Zé Geraldo.  Sabemos que à época das Grandes Navegações, os europeus vieram a tomar  posse das Américas, explorando suas riquezas e dando início ao tráfico negreiro e à exploração da mão-de-obra escrava. Três séculos depois, os europeus encerram o tráfico de escravos e decidem, na Conferência de Berlim,  a partilha para ocupação  e exploração da África e então “o africano ganhou o privilégio de ser explorado na sua própria terra”, como ironiza Letícia Bicalho Canêdo no seu livro “A descolonização da Ásia e da África”.  

Hoje, os africanos quando emigram para a Europa, sofrem a rejeição dos  mesmos povos que, no passado, “emigraram” para o seu continente como exploradores.De acordo com uma pesquisa realizada, em 23 países do mundo, pela IPSO Mori – 2ª maior agência de pesquisas do Reino Unido -, e publicada em agosto de 2012, 71% dos britânicos acham que há imigrantes demais no país deles, 76% acha que isso afeta negativamente a demanda por serviços públicos e 62% acham que a imigração tem prejudicado a chance dos britânicos conseguirem emprego. Apenas 27% dos britânicos acreditam que a imigração é boa para a economia do país. A pesquisa revela ainda que a mesma opinião – de que há imigrantes demais – é compartilhada por 77% dos russos 72% dos belgas, 67% dos italianos e 67% os espanhóis.  Ainda assim, os africanos servem de mão-de-obra barata e necessária, para os trabalhos mais braçais, como o personagem Dryss de “Intocáveis”.

Em relação aos brasileiros, a situação não é diferente, ainda estamos sujeitos a preconceito nos Estados Unidos, ainda somos barrados nos aeroportos da Europa, especialmente da Espanha, como se toda mulher brasileira fosse prostituta e todo homem fosse traficante de drogas. O inverso não é verdadeiro, pois a imigração européia para o Brasil, foi incentivada pelo Império, no século XIX.  Quando não mais havia europeus interessados em vir, colocaram de lado o preconceito contra os asiáticos e incentivaram a imigração japonesa, os últimos emigrantes a chegarem ao Brasil naquele período, em detrimento de abrirem oportunidades para os escravos recém libertos, inclusive por medo de que acontecesse no Brasil o que acontecera  no Haiti.

Atualmente, nossa mentalidade de colonizados ainda faz com que produtos estrangeiros sejam valorizados, a ponto de o termo “importado” revestir de algum status, aquilo que vem dos países desenvolvidos.  De igual forma, a nossa índole pacífica e nossa amabilidade faz com que os estrangeiros, imigrantes ou turistas, sejam sempre recebidos de braços abertos, independente das intenções. Famoso é o caso de Ronald Biggs, conhecido por ter participado do assalto a um trem pagador na Inglaterra, tendo depois vindo morar no Brasil, onde virou celebridade e até garoto-propaganda.  A pesquisa da IPSO Mori revela que, no Brasil 49% dos entrevistados acha que os imigrantes fazem do país um lugar melhor para se viver e que 47% acreditam que  a imigração é boa para a economia nacional. Em comparação, apenas 33 e 27% dos britânicos, acreditam nas mesmas afirmativas.

Ao visitarmos locais como Itacaré, Praia do Forte e Imbassaí, apenas apara citar alguns famosos pontos de atração turística na Bahia, vê-se que  são inúmeros os empreendimentos, tais como hotéis e restaurantes, pertencentes a estrangeiros que empregam nativos numa relação capital x trabalho, bem pouco favorável aos “donos da terra.” Não se trata de uma visão impregnada de xenofobia, da minha parte, reconheço o esforço e dedicação daqueles que emigram para trabalhar. Reconheço a contribuição que dão ao desenvolvimento do país e temos inclusive uma agência governamental, a Apex Brasil, encarregada de atrair investimentos estrangeiros para o país, como uma das suas duas linhas de atuação (a outra é promover a exportação de produtos brasileiros  e a internacionalização das empresas nacionais). Mas,  da mesma forma que os europeus e americanos defendem o seu espaço, bem ao estilo do dito popular “farinha pouca, meu pirão primeiro”, eu defendo que precisamos ampliar e garantir as oportunidades para os brasileiros em solo nacional.

Se tomarmos Praia do Forte (BA) como exemplo, imagino  como o local foi pobre, enquanto não era conhecido e as pessoas possivelmente viviam da pesca, da agricultura de subsistência, coleta e venda de frutas na beira da estrada. No momento em que o vilarejo despontou para o turismo,  indivíduos e organizações estrangeiras para lá acorreram, adquirindo propriedades para implantar seus negócios lucrativos.  Parte dos antigos pescadores e trabalhadores rurais são hoje garçons, camareiras, cozinheiras, nos hotéis e restaurantes, com  alguns direitos trabalhistas elementares.  As maiores fatias do bolo econômico que cresceu não estão nas mãos deles.

No âmbito do Ministério do Turismo existem programas de Estruturação do Turismo em Áreas Priorizadas  que apóiam  projetos de órgãos de governo estadual e municipal, da administração direta e indireta e de entidades sem fins lucrativos, baseados no “protagonismo das sociedades locais. visando à apropriação, por parte destas, dos benefícios advindos do desenvolvimento do setor”.

A iniciativa governamental é de 2008 e foram aprovados 50 projetos, das 5 regiões do país, o que não me parece muito. Acredito que, além da ação governamental, o fortalecimento dessa ideia, precisa contar com  o engajamento da sociedade civil organizada, com a divulgação por parte de formadores de opinião e a cobrança efetiva da população brasileira, como cidadãos e eleitores, já que os projetos podem ser elaborados pelos governos municipal e estadual.

O Brasil é a 6ª maior economia do mundo, mas ainda temos muita pobreza e a desigualdade de renda é um dos maiores problemas do país. Esses projetos de geração de emprego e renda são uma das formas de inclusão sócio-econômica das populações dessas localidades. E para isso, precisamos acreditar e fomentar a criação de muito mais projetos que possibilitem ao cidadão brasileiro se tornar empreendedor na sua própria comunidade, ao lado de tantos quantos queiram, inclusive investidores estrangeiros, para possibilitar aos nacionais crescerem  junto com o país, em vez de continuarmos exercendo o degradante “privilégio” de sermos explorados na nossa própria terra.

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