Por Donminique Azevedo*
Engana-se quem pensa que as distintas formas de manipulação do cabelo crespo começa, de maneira estanque e pontual, com o processo de aplicação de químicas para alisamentos e relaxamentos. Ainda em África, quando nem “negros” éramos, e muito antes de cruzarmos o Atlântico, o cabelo já assumia um lugar identitário cultural e social.
O uso das tranças, por exemplo, é um ato milenar que acompanha o povo africano. É utilizado, inclusive para diferenciar tribos, idade, estados civis e, até mesmo, posição na sociedade. No período escravagista, os penteados serviram como forma de comunicação entre os africanos que foram escravizados.
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Daniela Orí Asé trabalha com turbantes, fazendo disputa de narrativas para a valorização da cultura afro. FOTO: Donminique Azevedo
Por conseguinte, é possível observar que o processo de construção social do cabelo crespo pode – guardadas as devidas proporções – ser comparado ao próprio ciclo de crescimento do fio capilar, que nasce, cresce, executa sua função, morre e nasce de novo. A diferença é que esta morte, além de biológica, recai, antes de tudo, no processo de negação, fruto da ausência de representatividade positiva.
Apesar de, em toda a história da humanidade, percebermos as mudanças na forma como o cabelo crespo foi manipulado com intuito de autoafirmação da identidade, preconceitos e estigmas são frequentes. São inúmeros os relatos de racismo pela condição de ter e reafirmar o crespo. Da mesma forma, contra-narrativas combatem a discriminação e enegrecem o debate. São iniciativas
que, seja pela perspectiva estética, epistêmica, artística e/ou educacional, fortalecem e apoiam o
direito daqueles que querem encrespar.
A resistência perpassa, principalmente, pelo combate ao racismo estrutural e estruturante. Isto porque o preconceito com o cabelo, na maioria das vezes, não está dissociado ao da cor da pele. Neste sentido, citando o antropólogo e professor Dr. Kabengele Munanga, “enquanto uma única pessoa continuar a ser caracterizada e discriminada pela cor da pele escura, enquanto uma única pessoa se obstinar, por causa da sua diferença, a lançar sobre outra pessoa um olhar globalizante que a desumaniza ou a desvaloriza, a negritude deverá ser instrumento de combate para garantir a todos o mesmo direito fundamental de desenvolvimento, a dignidade humana e o respeito das culturas do mundo”.
*Donminique Azevedo é jornalista, pós-graduanda em Gênero, Raça e Sexualidades, educadora e escritora. Atua também como repórter do Portal Correio Nagô.