O Parlamento do Uruguai deu um importante passo nessa terça-feira (25/09) para que o país se torne o segundo na América Latina, depois de Cuba, a despenalizar a prática do aborto. O projeto, intitulado Lei de Saúde Reprodutiva e Sexual, foi aprovado pela Câmara dos Deputados com 50 votos contra 49, após sofrer importantes alterações.
Agora, ele deverá passar novamente pelas mãos dos senadores para analisar as alterações da lei – a aprovação é esperada. Depois, bastará receber a sanção do presidente José Mujica, que já afirmou ser favorável à medida, para que entre em vigor.
O projeto original, que foi aprovado em dezembro de 2011 em primeira votação no Senado, previa a legalização do aborto quando realizado nas 12 primeiras semanas de gestação (primeiros três meses) e determinava total liberdade às mulheres na tomada da decisão.
O debate na Câmara de Deputados, no entanto, foi mais acirrado e chegou a durar 14 horas. Os principais apoiadores do projeto, parlamentares ligados à Frente Ampla (coligação governista de orientação de centro-esquerda), encontraram resistência e foram obrigados a fazer algumas alterações no texto, após negociações com o deputado Iván Posada, do partido Independente (centro-esquerda). O recuo aconteceu porque um dos deputados da Frente, Andrés Lima, afirmou que votaria contra o projeto. Com as alterações, Posada garantiu os 50 votos necessários para a aprovação, em uma casa de 99 representantes.
Agora, o projeto somente despenaliza (e não legaliza) a prática do aborto. Em sua nova formulação, prevê-se que a grávida necessitaria comparecer a uma comissão para apresentar sua situação, passaria por cinco dias de reflexão e, ao fim deles, optaria livremente em proceder ou não com a interrupção da gravidez.
O objetivo da lei é diminuir o número de abortos no país. Segundo números não oficiais do Uruguai, cerca de 33 mil abortos são cometidos por ano no país, aproximadamente 90 por dia, uma cifra significativa para uma população de apenas 3,4 milhões de habitantes.
Segundo Posadas, mesmo que esse número seja hipotético, é “deveras alarmante para um país onde 47 mil crianças nascem por dia”. “É importante que a mulher que decida realizar um aborto participe desse processo prévio, em que ela será informada, onde a explicarão todas as opções incluindo alternativas que mostrem que ela é livre para decidir”.
Mesmo que o projeto encontre a aprovação de grande parte dos uruguaios, contrários à prática também realizaram manifestação
Membros da oposição, formada pelos tradicionais partidos Blanco e Colorado, mostraram cenas de um documentário do canal NatGeo, que utiliza imagens de bebê reais e outras feitas em gráficos de computador, para mostrar um bebê dentro do ventre materno. Para o deputado “Blanco” Javier Garcia, “ninguém tem dúvidas hoje em dia que a vida começa na concepção” e que lhe chama atenção o fato da mídia não tratar do tema “sem mencionar os direitos humanos”.
A oposição, ligada a grupos católicos e conservadores, organizou marchas ao redor do Parlamento, com os tradicionais dizeres “pela vida”. Ao mesmo tempo, a ONG Mysu (Muher e Saúde do Uruguai) convocou uma marcha em frente ao Palácio Legislativo questionando a alteração que “obriga a mulher que queria abortar a participar de um tribunal interdisciplinar”.
A lei vigente, datada de 1938, prevê penas de três a nove meses de prisão para a mulher que permite o aborto, além de seis a 24 meses a quem colabore com o mesmo, e de dois a cinco anos para quem o realize sem o consentimento da mulher. Desde 2008, porém, a mulher tem o direito de obter a informação sobre a melhor maneira de realizar um aborto.
De acordo com o instituto de pesquisas Cifra, em pesquisa realizada no início do mês, 52% dos entrevistados são favoráveis à despenalização do aborto, enquanto 34% são contra. O levantamento consultou a opinião de 802 pessoas, com uma margem de erro de 3,4 pontos.
Além do aborto, o país sul-americano também debate a aprovação de outro tema polêmico do ponto de vista comportamental: a legalização do consumo de maconha, que busca afastar consumidores do narcotráfico e está na fase de debates no Parlamento.
Fonte: Opera Mundi