Há dois anos prefeitura decretou interesse social no imóvel onde antes funcionava o Hotel Cambridge, mas movimentos decidiram promover ocupação para pressionar por início das obras
A presença de “Silvas” em um livro com registro de 1979 do antigo Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, é quase nula. A atualidade é diferente: desde sexta-feira (23), 160 famílias ocupam o prédio abandonado havia pelo menos dois anos. Uma placa que está na fachada, na avenida 9 de Julho, diz que o prédio será destinado para moradia, e que qualquer “invasão” pode bloquear o processo.
Sem-teto retiram entulho em hotel abandonado (Fotos: Danilo Ramos)
No entanto, os novos ocupantes do que outrora foi um hotel que recebia grande quantidade de estrangeiros dizem não aguentar mais a espera, fruto da morosidade da administração de Gilberto Kassab (PSD) para resolver o problema de moradia da população com até três salários mínimos na cidade. “Nada de que o governo se comprometeu, que era a reforma do prédio, aconteceu. A ocupação é para mostrara indignação, a forma como somos tratados. Foram praticamente oito anos sem projeto para atender a famílias de baixa renda”, critica Osmar Borges, coordenador geral da Frente de Luta por Moradia. “Já tivemos quantas catástrofes em dois anos em São Paulo? Se tivesse usado aquele prédio para atender às famílias teria evitado boa parte. Você desapropria, deixa dois anos fechado e não apresenta nem o plano de obras. É ridículo”, conclui.
O livro de registros foi retirado de uma montanha de entulho que já ultrapassa a laje do andar térreo. Desde o inicio da ocupação, membros da FLM estão retirando o que foi deixado para trás nos 15 andares. Congeladores, máquinas de escrever, garrafas de vinho e espumantes vazias nos armários, camas e colchões estão sendo retirados no braço, pelas escadas, por homens e mulheres. Fotografias de figurões como Chiquinho Scarpa e de políticos como Geraldo Alckmin e Celso Russomanno também foram encontradas abandonadas no local. “Só coisa boa. Precisou de mais de dois eucaliptos para fazer essa cama. Ela é tão pesada que foi preciso quatro pessoas para descer”, conta o serralheiro Fabiano Silva, deitado em uma dessas camas. “O colchão é muito bom”, reconhece Valdelice Santos, atualmente desempregada, mas que já trabalhou como camareira em hotéis de padrão similar.
Magali Maria, ocupante do mesmo quarto no quinto andar, reclama que desde sexta não conseguem tomar banho direito porque a Polícia Militar impediu que entrasse água no local. “Eles impediram que entrasse água, comida, tudo. Não queriam deixar entrar mesmo”, relata.
Mesmo com as dificuldades, os quartos começam a ser reocupados. Davi Barros Torres se ajeita com a mulher e três filhos. A mais velha, de 11 anos, foi vítima de um erro médico ao nascer e precisa de tratamento. “Ela nasceu aqui, mas aos seis anos voltamos para o Nordeste. Mas lá era muito ruim de saúde e voltamos para São Paulo. O problema é que ninguém quer alugar casa para família com criança e fomos morar com parentes. Mas é muito complicado, longe dos hospitais em que precisamos levá-la”, conta Davi, que é camelô e perdeu cerca de R$ 500 em mercadorias depois que a Polícia Militar apreendeu guarda-chuvas que ele pretendia vender. Sua mãe, Eliana Barros, de 60 anos, é carroceira, vivia em uma pensão no centro e também ocupou o prédio. “Eu faço assim, se conseguir R$ 15, guardo R$ 10 e gasto R$ 5. Se eles cobrassem uma taxinha, tipo uns R$ 200, a gente podia pagar, mas eles preferem deixar um prédio desses fechado, com tanta gente precisando”, lamenta.
Procurada, a prefeitura não respondeu aos questionamentos sobre o prédio até a publicação deste texto.
A dificuldade em pagar o aluguel é o principal motivo para a maioria das pessoas que ingressam no movimento de moradia. Algumas delas já participaram de cinco ocupações, como Maria Odete de Souza. Maria vivia na favela do Moinho e conta que perdeu as fotos de seus filhos no incêndio que consumiu a comunidade em dezembro de 2011. As fotos haviam sido tiradas por um fotógrafo profissional em outra ocupação, há seis anos. “Eu estou nessa luta aí faz tempo. A prefeitura diz que dá bolsa-aluguel, mas eu não quero isso. Porque é uma coisa que acaba. Eu quero uma casa”, afirma. Desde o incêndio ela está desempregada, mas antes trabalhava em eventos.
Outros, como o ajudante de pedreiro Alberto de Lima, sua mulher e os dois filhos com 9 e 10 anos, participam de sua primeira ocupação. “Resolvi vir lutar, morava de aluguel, pagava R$ 450. Ou a gente pagava ou comprava comida, roupa, pagava a luz. Já entreguei lá a casa e estou aqui agora. Resolvi enfrentar a vida”, afirma.
Por: Gisele Brito, da Rede Brasil Atual
Fonte: Rede Brasil Atual