Fazer um carnaval que valoriza a cultura de matriz africana não é nada fácil, mesmo sendo na capital mais negra do País. Mesmo quando os olhos do mundo inteiro estão voltados para o largo.
Colocar um bloco afro na rua é muito mais que colocar um trio na avenida puxando foliões.
Dialoga com a comunidade. Pensa tema. Desenvolve. Capta recursos. Ensaia. Costura. Experimenta. Ajeita. Ajeita de novo. Repensa. Colocar um bloco afro é tudo isso, e ocorre não, necessariamente, nesta ordem.
Neste sábado de Carnaval (25), o Circuito Osmar contou com o desfile de dez blocos afro. Quantos foram notícia na TV (veículo de comunicação que ainda oferece maior visibilidade massiva)? Poucos.
E o público compareceu?
O que vimos, de um modo geral, foi um circuito com um número de pessoas bem abaixo daquele que lota a Avenida Sete de Setembro para prestigiar celebridades.
Todavia, quem não foi perdeu de participar de belos espetáculos que ocuparam o circuito.
Mesmo passando pelo desgaste de quase não desfilar este ano, por conta das dificuldades financeiras, o maior balé afro do mundo, o Bloco Malê Debalê, do bairro de Itapuã, apresentou o tema “Okê Malê! Sou sertanejo! Sou Negro Forte!!!”, homenageando o povo nordestino.
“A proposta do bloco Malê é ótima, pois valoriza a história dos levantes, de resistências e afirmações da nossa cor. O tema traz os caboclos brasileiros e a força do nordestino”, explica o professor de História Dallas Lewesthayn, responsável pelo abre-alas do bloco.
O vice-presidente e um dos fundadores do Malê Miguel Arcanjo conta que o bloco conta com o apoio do Carnaval Ouro Negro, do Governo do Estado da Bahia. No entanto, quase o desfile não sai, devido ao modo como o recurso é repassado às organizações participantes do programa.
“É um patrocínio para o Carnaval que a gente só recebe depois do Carnaval, perde todo o sentido. A gente precisa do patrocínio para produzir. E aí, onde que a gente vai conseguir recurso? Até agora nós não recebemos a primeira parte do Ouro Negro porque foi feito depósito desta primeira parte depois de os bancos estarem fechados”, detalha Miguel Arcanjo.
Outro bloco afro que também abrilhantou o Circuito Osmar foi o bloco afro Muzenza do reggae, que este ano mergulhou no ‘Afrofuturismo’, movimento iniciado na década de 1960, pluridisciplinar, que utiliza a música, as artes plásticas, os grafismos, a moda, a fotografia como forma de reivindicar para negras e negros a narrativa das suas histórias.
“O Afrofuturismo vem com toda a questão dos antepassados e vem também com aquilo tudo que antigamente era proibido e, hoje, a gente está saindo nas ruas com nossos turbantes, roupas afro”, contextualiza Larissa Oliveira, 18 anos, da Nova Sussuarana e rainha do Muzenza.
O trabalho desenvolvido pelos blocos afro ainda precisa de mais valorização, começando pela participação do público. Seja prestigiando, acessando esses espaços, pagando pela fantasia, dentre tantas outras ações.
Donminique Azevedo é repórter Correio Nagô