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Célia Sacramento: “Sou um ponto fora da curva”

Em entrevista realizada para o Instituto Mídia Étnica, a vice-prefeita de Salvador conta sua história de vida, lutas e vitórias

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Um ponto fora da curva. É como se autodenomina a vice-prefeita de Salvador, Célia Sacramento. De família humilde, cresceu em Alto de Coutos, bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador, sabendo que negro precisa estar sempre em posição à frente para as oportunidades, e levou para si os ensinamentos de seu pai. Descobriu que a educação era o melhor caminho. “Depois que eu contei para todo mundo que meu pai era um intelectual, um leitor, mesmo analfabeto ele me disse: o pai e a mãe tem que dá exemplo, e eu não sabia como dá esse exemplo, inventei a minha maneira”, contou a vice-prefeita ao explicar a lição que seu pai transmitiu aos filhos quando pegava livros, jornais e cobrava a resenha detalhada, para incentivar a leitura e o estudo aos seus meninos.
“Ele chegava em casa com um livro, lembro que um deles foi ‘Capitães de Areia’ – do escritor baiano, Jorge Amado – , e ele falava que já tinha lido e que ia cair no vestibular. ‘Plantava o terror’ e pedia que a gente [ela e seus cinco irmãos] contasse o que tinha no livro. Isso a gente tinha cerca de 11 anos de idade, ainda nem sonhávamos com vestibular”, lembra Célia, rindo emocionado com a história.
Se apoiando nessa filosofia, ela se tornou a primeira mestre negra em Controladoria e Contabilidade pela USP (2001) e, em 2005, – Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal da Santa Catarina – UFSC, atualmente figura como a primeira mulher negra, na linha de sucessão da hierarquia do Executivo municipal. É uma preta em posição de destaque, que empenha representatividade na liderança da cidade mais negra fora do Continente Africano. E sabe disso, mesmo que em muitos momentos tenha sua posição negligenciada. “Hoje não sinto que somos poucos não, estamos nos espaços de poder. O nosso problema é a falta de consciência racial. Nessa história, a primeira etapa é fazer o ‘cidadão’ descobrir que é negro, e depois fazer com que ele perceba que é preciso fazer alguma coisa pelo seu irmão”, vislumbra.
A cabeça é firme, citando as premissas que fizeram parte da negociação com o prefeito ACM Neto para aceitar a posição, quando foi convidada para o cargo. Que estão firmadas no respeito ao meio ambiente com desenvolvimento sustentável, o respeito a todas as formas de diversidade, – sexual, cultural e religiosa – e às politicas de promoção da igualdade racial. “Sabendo da história que tenho, de onde vir, vivendo em Salvador, a cidade mais racista do Brasil, eu não posso fazer nada sem o recorte da questão racial”, garante.

Um baque” – o Racimo Mata

Por viver em uma cidade desigual, mesmo tendo forças e incentivo para construir uma vida melhor, as nuances do racismo e da segregação mostram sua cara, e não foi diferente para Célia. “Eu deixei de morar no Subúrbio em março de 1989, dia que eu passei no vestibular da Universidade Federal da Bahia (Ufba), mesmo dia que recebi a noticia que minha mãe havia falecido”, revela emocionada a vice-prefeita. A sua mãe morreu decorrente de um enfarte em uma tentativa de assalto no bairro em que morava na Suburbana. “Ganhei um presente que foi a aprovação na Ufba e, passei por essa grande perda”.
Por ter sido vitima direta da violência, Célia é sempre questionada sobre a bandeira que levanta em defesa da juventude. “Tenho esperança. Até porque durante a minha infância, acompanhei o trabalho da comunidade do bairro para reduzir a ociosidade dos jovens. Eram as congregações de igrejas, católicas e protestantes, e também os terreiros, que promoviam atividades para manter a cabeça dos jovens sempre ocupadas”, finalizou Célia.

 

Foto: Arquivo pessoal/Facebook

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