Moradores, ativistas, músicos e artistas se organizaram, há três anos, para manter viva a cor e a cultura na localidade do centro de Salvador
Uma das mais antigas e famosas ladeiras de Salvador, a Ladeira da Preguiça, atravessa um período de desgaste e abandono do poder público, vivendo o estigma da violência e insegurança. Já foi via importante de ligação entre as cidades Alta e Baixa, situada no tradicional bairro do Dois de Julho, Centro de Salvador. Mas atualmente, desafiando esse quadro, passou a ser um centro que respira arte, graças ao trabalho conjunto de amigos e moradores da comunidade, esses que “sustentam as paredes dos velhos casarões do local com as próprias costas”.
Descendo a ladeira, dá para contemplar a vista privilegiada da Bahia de Todos os Santos e perceber outra imagem do lugar. As cores que o graffiti e as tintas deram às fachadas das casas e casarões. Há vida distorcendo a marca do abandono, cenário que começou a se configurar quando, há cerca de três anos, seus moradores uniram forças contra um projeto de privatização da região da Praia da Preguiça e conseguiram garantir o direito à moradia da população da região.
“Foi quando percebi que para nos defender da especulação imobiliária, a gente tinha que travar ações aqui dentro. Nessa surgiu o Centro Cultural”, explica Marcelo Telles, ativista político da Ladeira, rodeado de amigos e colaboradores do Centro, no Casarão sede, onde recebeu o Portal Correio Nagô.
Ali na mesa, parte dos inquietos que movimentam a arte, educação e cultura no Centro Cultural Que Ladeira é Essa?: Gabriel Silva, presidente do Centro, Zaca Oliveira, que contribui como artista plástico, Antonello Veneri contribui como fotógrafo, Eduardo Gomes, que ministra as aulas de percussão da ONG Junta Salvador, e Marcos Prisk, que comanda o graffiti do MUSAS.
O coletivo de gaffiti MUSAS integrava a comunidade do Solar do Unhão, na região da Gamboa de Baixo – de lá conheceu Marcelo Telles, que explica os outros encontros: “A galeria a céu aberto da galera do MUSAS, o conceito de arte de galeria de Zaca Oliveira, a Junta Salvador, que é primórdio no processo de inserir musicalidade. Da casa, Gabriel e eu, e Guiga [de Ogum, 72, compositor e poeta] que ‘segurava’ a Ladeira, além das pessoas que vão chegando como Antonello [Veneri]”, continua Marcelo.
Uma união que não se pode entender dissociada, que nomeia suas ações resistindo às investidas de ‘revitalização’ e de gentrificação [fenômeno imobiliário que se baseia na troca de um grupo por outro com maior poder aquisitivo em um determinado espaço] com arte, cultura e comunhão. Entenda mais sobre gentrificação em uma matéria do Correio Nagô, clique aqui
“A arte que fazemos aqui é uma arte positiva. Não é vandalismo, não é contra o governo. No trabalho da gente todo mundo pode ser agregado, porque temos música, esporte, artes plásticas e um vasto trabalho de rua. Que hoje é super valorizado no mundo inteiro, mas infelizmente não temos essa cultura de valorização aqui”, ponto de vista inspirador de Zaca Oliveira.
O que tem na Ladeira?
Aulas de Jiu jitsu, capoeira, inglês, francês, espanhol e português com reforço e redação, além das oficinas de hip hop voltada para o público feminino. Mais perspectiva, esperança, fé, amizade.
“Se não existisse o Centro, o menino poderia estar nas ruas. Mas ele chega nos encontros e o ‘bombardeamos’ incentivando a leitura, os estudos”, enumera Eduardo, que caracteriza as ações do ‘Que Ladeira é Essa?’como ação de inclusão social desses jovens. “As atividades possuem, antes de tudo, o viés na politica”, reforça Veneri.
Antes do ‘Que Ladeira é Essa?’ já havia o incentivo cultural nas atitudes de moradores ,como lembra Gabriel. “A cultura já fazíamos há muitos anos. Levo a Ladeira da Preguiça para qualquer lugar que eu vou.” Ele é nascido e criado na Preguiça, – como gosta de afirmar – e, como presidente do Centro, põe a agenda de atividades nos eixos.
“Hoje quando se fala em cultura se pensa em música. Mas a Ladeira da Preguiça já lançou atores, poetas, jogadores de futebol, e muitos músicos. O leque cultural daqui é muito grande”, diz lembrando que Guiga já teve suas músicas gravadas por famosos como o sambista carioca, Jorge Aragão.
Daqui dá para sentir ‘Que Ladeira é Essa?’ e perceber que: “Quem vier visitar verá que a preguiça tá de pé”, conclui Gabriel.
Texto de Fabiana Guia, da redação do Correio Nagô
Confira abaixo o vídeo produzido pela equipe da TV Correio Nagô, coordenada por Rosalvo Neto