O dramaturgo, diretor e ator de teatro Uarlen Becker lançou no mês de maio o livro “Chá com Jeová, café com Olorun” em ritmo de conversa boa, música, poesia e performances.
Sou candomblecista, filho de Oxóssi e Xangô e ogan de Oxum, a Oxum de minha mãe de santo, Edna de Oxum. Fui suspenso e feito no Ilê Axé Omin Ijexá Miro, sob os fundamentos da nação Ijexá. Antes fui Testemunha de Jeová, li a Bíblia duas vezes, compreendo as duas religiões como caminhos para a religação com o divino – Uarlen Becker
No livro, oito histórias que falam de pessoas em conflito consigo mesmas e com o mundo ao redor; homens e mulheres que buscam sentido para a vida e questionam a própria existência e a dos outros.
Toda a poesia de ser poeta (poesia, Selo Odé, 2015) e Bílis Negra (texto para teatro, Selo Odé, 2016) são escritos deste ator multifacetado que também encenou cerca de 12 textos para teatro, teve montagens de seus textos em diversas cidades brasileiras. Seus textos Bílis Negra e Menina das Luzes foram adaptados para cinema em 2013 e 2016 respectivamente.
Os personagens das histórias contadas pelo dramaturgo em seu novo livro vivem à espera de um Deus ou Deuses que os possa salvar. Uarlen, em respostas precisas, em entrevista ao portal Correio Nagô fala sobre o livro, sua produção, a expectativa para o mesmo, dentre outras coisas. Confira!
Deveria haver uma lei obrigando o ensino, pelo menos básico, de compreensão básica da cultura iorubá e indígena. Sem folclorizar e idiotizar
Correio Nagô – Chá com Jeová, café com Olorun é o seu primeiro livro de contos, mas por quê esse título para o livro?
Uarlen Becker – Sim. É uma seleção de histórias recentes e algumas mais antigas, de uns 15 anos atrás. Escolhi dar ao livro o título de uma das histórias, que fala de uma mulher, uma atriz, que sofre uma epifania, que percebe, em determinado momento de sua vida, algo fora do cotidiano medíocre de sua vida. Eu pensei colocar um outro nome para o livro, o título de um conto que eu gosto muito, mas ponderei um tempo e enviei para a editora uma coletânea cujo título remete à ancestralidade, ao misticismo e, principalmente, cria uma provocação contra o racismo e a intolerância religiosa. Digo isso porque a questão religiosa se torna um problema, o que é assombroso, algo que deveria ser motivo de regozijo se tornar motivo de polêmica e preconceito. Ainda mais se tratando do nome do Criador na cultura Iorubá (ou um dos nomes).
CN – Considera importante utilizar nomes que façam referência à religião do candomblé, como é o caso do nome “Olorun”? Por quê?
UB – Considero sim. Pretendo usar mais de agora em diante como pura provocação e afirmação de minha identidade. Sou candomblecista, filho de Oxóssi e Xangô e ogan de Oxum, a Oxum de minha mãe de santo, Edna de Oxum. Fui suspenso e feito no Ilê Axé Omin Ijexá Miro, sob os fundamentos da nação Ijexá. Antes fui Testemunha de Jeová, li a Bíblia duas vezes, compreendo as duas religiões como caminhos para a religação com o divino, cada qual espelhando a sua origem cultural, com suas qualidades e defeitos, principalmente os humanos, os nossos, as nossas misérias, que é o que fala no livro, basicamente, da miséria nossa.
CN – A língua Iorubá ainda é muito presente nos terreiros de candomblé, há, portanto, uma preservação e, atualmente, também existe uma luta para que essa língua se tornar patrimônio brasileiro. O seu livro traz alguma palavra em iorubá? Considera importante esse idioma e a sua patrimonialização e preservação?
UB – Não, além do título, não. Acho que já é suficiente. Olorun é tão poético, tão sonoro, tão enigmático… Estou terminando um romance e uma seleção de poemas, nesses livros futuros me expresso mais nesse terreno iorubá. Também tenho pouca coragem para falar do que sei tão pouco. Tenho medo de parecer leviano e acabar deturpando uma coisa que já é tão brutalmente violentada que é a nossa cultura de origem africana (e indígena, talvez eles de forma ainda mais brutal e longe dos holofotes). Acho importantíssima a preservação desse idioma e acho mais: deveria haver uma lei obrigando o ensino, pelo menos básico, de compreensão básica da cultura iorubá e indígena. Sem folclorizar e idiotizar, transmitindo para as crianças e adolescentes a realidade das pessoas dessas sociedades avançadas, seu idioma e seus dialetos. É um salto que o Brasil precisa dar. É uma dívida.
CN – Quais são as expectativas pós lançamento do livro?
UB – A expectativa é que venham mais edições e que venda bastante (risos); desejo de verdade que gere algum debate e entendimento e, principalmente, questionamentos sobre o que está posto ali. Tem muito de mim e do nosso cotidiano urbano (falo de quem mora em grandes cidades como Salvador). Mas também há muita poesia e contemplação. Se o livro cutucar um leitor que seja, valeu a pena. Graças a Olorun. Graças a Jeová. E a Nzambi, e a Olodumaré, e a Tupã e Brahma e por aí vai o nome que tem Deus. Ou Deusa.
Joyce Melo é repórter do Portal Correio Nagô.