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Códigos e silenciamentos racistas: até quando?

Por George Oliveira*

Entusiasmado pela estadia de dez dias em Pernambuco, estado que sempre tive a curiosidade de conhecer, conseguimos uma brecha na agenda do evento que estávamos na organização e partimos para conhecer um dos pontos turísticos. Era domingo, saímos do hotel sem fazer muito alarde, para uma viagem curta, da capital do estado, da Boa Viagem até a famosa praia de Porto de Galinhas. Descemos a cerca de um quilômetro da praia e fomos “aquecendo a economia” num corredor de lojas de “lembranças da localidade” que nos levariam até a tão sonhada praia onde diziam que era remota a presença de tubarões.

Já nos aproximando da praia, uma série de estátuas coloridas representavam as aves que eu acreditava dar nomes ao local. Eram galinhas de cerca de 2 metros de altura, que ilustravam as fotos das poucas pessoas que passavam naquela manhã ainda pouco ensolarada. Junto com outra pessoa do grupo, observamos uma placa explicando “o porquê” da homenagem à localidade que antigamente era chamada Porto Rico, devido à extração de Pau Brasil:

“Quando os escravos chegavam para serem vendidos, contrabandeados, vinham escondidos embaixo de engradados de galinhas d’angola. A chegada dos escravos na beira mar era anunciada pela senha: “Tem galinha nova no Porto!”. Por causa disso, Porto Rico ficou conhecida como Porto das “galinhas”.

Confesso que, ao ler uma explicação similar a essa, todas as minhas expectativas de ter um dia ensolarado e divertido na praia deram lugar à reflexão do quanto os quatrocentos anos de escravização “oficial” de pessoas negras ainda é normalizado em nosso país. A minha mente me transportou, imediatamente, para o Pelourinho, localizado no Centro Histórico de Salvador, e a pensar até que ponto somos coniventes com esse histórico racista por estarmos buscando a diversão e o entretenimento em locais marcados por tanta dor e sofrimento das pessoas que nos antecederam. 

Passados quase dez anos da minha única estadia na praia localizada em Ipojuca, município do estado de Pernambuco, eis que uma notícia divulgada em diversos sites fez-me recordar do ocorrido: “Loja da Zara, em Fortaleza, criou código para ‘alertar’ entrada de negros, diz investigação policial.” Apesar de não conhecer a tal marca/loja, sabemos o quanto fomos marcados, anunciados e silenciados nos últimos cinco séculos neste país. 

Segundo a mesma matéria, o Delegado explicou que a sinal sonoro “Zara Zero” era um comando para funcionários vigiarem clientes negros e que se vestiam com roupas mais simples. O tal “código”, que para a gente não é nenhuma novidade, diga-se de passagem, torna-se público após o início das investigações de uma denúncia feita pelo coletivo de delegadas da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) diante de um fato ocorrido com a delegada Ana Paula Barroso, diretora-adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis.

A delegada negra foi barrada ao entrar no estabelecimento no dia 14 de setembro de 2021. Como justificativa, acredite quem quiser, o gerente disse que a motivação para que a retirassem da loja foi por questão de segurança, uma vez que ela estava consumindo alimento e a máscara não estava cobrindo o rosto. Algo que parece pura balela, conversa para boi dormir. Digo isso porque a partir das análises de imagens do circuito interno da loja, a polícia observou que Ana Paula foi expulsa do local, minutos antes, em que o mesmo funcionário atendeu uma cliente que não fazia a utilização correta da máscara.

A investigação está em curso e as informações foram obtidas a partir dos depoimentos de oito testemunhas, da vítima e do gerente da loja. Constatou-se o sistema de discriminação da loja ao identificar perfis de clientes que eram considerados como suspeitos em potencial, que precisava ser mantido sob vigilância. Segundo a mesma matéria do UOL, uma prática que já parece comum por já ter sido registrada diversas vezes, não só aqui no Brasil, inclusive fora do país, com pagamento de indenização. A Zara fez um pronunciamento que já é de praxe em casos como estes: “A Zara rechaça qualquer forma de racismo, que deve ser combatido com a máxima seriedade em todos os aspectos.

Esses dois casos relatados buscam elucidar e exemplificar o quanto estamos sob a mira do sistema racista no Brasil. De um lado temos, em nossos momentos de lazer, a busca por uma coerência com o passado dos equipamentos turísticos, em alguns casos, por nos reportam a um passado escravagista. Por outro lado, boicotar empresas onde nosso povo não é bem estimado provocará uma verdadeira mudança nas estruturas capitalistas que tanto lucraram e lucram com a exploração dos nossos corpos. Já passamos do momento de invisibilidade da nossa história e da nossa presença, sem omissões e descasos, os códigos como mecanismo para nos silenciar passarão a ser utilizados como catapultas que nos levarão a um futuro mais equânime. 

*George Oliveira é doutorando em Educação/ UFBA
grbo2003@yahoo.com.br  

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