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Com tambores e baquetas em riste, mulheres reescrevem o feminino negro carnavalesco

Os tambores do Cores de Aidê. Fotos Toia Oliveira

Para promover a cobertura do carnaval, a Rede Globo criou na década de 1990 a “Mulata Globeleza”, que exibia a imagem da mulher negra apenas coberta de purpurina em suas vinhetas distribuídas internacionalmente, dando boas-vindas ao carnaval. Ao longo dos anos, o feminino carnavalesco esteve associado a esta representação, inclusive por parte de órgãos oficiais de cultura e turismo brasileiros. Entretanto, com tambores e baquetas nas mãos, mulheres negras buscam reescrever narrativas que as objetificam.

Na década de 1990, o Olodum lançou o álbum “Filhos do Sol”, um dos presentes que mais marcou a vida de Sarah Massaí, regente geral e percussora das Cores de Aidê, bloco de percussão feminina em Florianópolis, Santa Catarina. “O Bloco surge em 2016, com objetivo de potencializar o alcance de nossas mensagens, através do cortejo de percussão feminina pelas ruas do sul do país”, conta a regente em entrevista ao portal Correio Nagô.

Desfiles

Para o Carnaval 2019, a Cores de Aidê desfila quatro dias pelos circuitos de Florianópolis: sexta-feira, 18h30, Praça XV de Novembro; sábado, 21h30, Armação; domingo, 18h30, na Praça Bento Silvério; e ainda na Quarta de Cinzas, 10h, um desfile infantil, na Alfandega, Centro da cidade. O tema deste ano faz homenagem à vereadora Marielle Franco, executada em crime que segue sem respostas. “A Força que abrem caminhos – “Aidê Braço de Maré”, é o enredo, a força da mulher será o braço da maré que conduzirá o público a pensá-las, assim como o mar e sua cosmovisão”, descreve a regente.

Em nosso contato, Sarah é apenas porta-voz, pois prefere responder em companhia das outras noves mulheres que compõe a banda. A história de Aidê é cantada pela Capoeira, que narra a vida da africana que fugiu para o quilombo do Camugerê, após o senhor de engenho lhe oferecer a liberdade caso casasse com ele.

“O fato dela não monetizar seus afetos e valores e lutar pela emancipação coletiva é o que tomamos de empréstimo deste cântico para nomear nossa banda”, explica. “Quando temos uma construção social sobre o “feminino”, que se relaciona a sua fragilidade, e nos deparamos com a força percussiva desses grupos, esta concepção é abalada”, aponta.

Cores de Aidê. Fotos Toia Oliveira

Reescritas femininas

Para o grupo, a presença feminina consciente de sua corporeidade instaura uma afirmação positiva para mulheres. “Quando nos colocamos como percussionistas recriamos estes espaços”, diz Sarah. As influências são também os tradicionais blocos afro de Salvador, com atenção à banda Didá.

“São grupos que nos inspiram fortemente, e vejo uma proposição transgressora no que fazemos: mulheres na percussão, em um espaço hegemonicamente masculinizado, subverte e provoca novas compreensões sobre os corpos”, ressalta Sarah.

Elisabeth Belissario (arquivo pessoal)

A mestra Elisabeth Belissário, criadora do Ilú Obá de Min, bloco formado por 490 mulheres de São Paulo, percebe um outro olhar para as mulheres na percussão pelo retorno do público. “O público nos recebe com admiração e respeito, o que é para nós reconhecimento de nosso trabalho, e também um processo curativo”, relata.

O próprio nome Ilú Obá de Min significa em yorubá: “mãos femininas que tocam tambor para Xangô”. Em 2019, o Carnaval do Ilú Obá De Min será dia 03/03, domingo, 14h, no Centro de São Paulo; e no dia 04/03, segunda, 18h, no Sesc Belenzinho.

 

 

 

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Percussão transformadora

“Trazer o bloco é refazer nossas histórias pretas e recontar as histórias de mulheres negras que são insistentemente invisibilizadas e silenciada”, afirma Elisabeth. O bloco participou do último CD de Elza Soares, “Deus É Mulher”, além do show de Lia de Itamaracá e faz diversas participações em trilhas de filmes.

“Toda iniciativa que inclua e posicione musicalmente a mulher, que tenha o respeito com esse tambor, com esta percussão é louvável e é necessário”, diz Vivian Amorim, à frente da banda Didá. O projeto idealizado por Neguinho do Samba em 1993, voltado para as mulheres e crianças, é fruto da parceria do percussionista com o cantor Paul Simon.

Neste carnaval, a Didá leva às ruas a celebração de seus 25 anos de samba-reggae e resistência negra e feminina. A banda desfilará no sábado (2) no Campo Grande, ao lado de outros grandes blocos do Ouro Negro, e na segunda (4), no mesmo circuito. Nos dois dias o bloco desfila a partir das 11h, formado apenas por mulheres e crianças.

“A percussão é a tecnologia da transformação feminina”, declara. Vivian avalia o movimento crescente de mulheres na percussão como uma atualização do corpo objetificado e passivo de violências machistas construído e relembrado nos carnavais. “Eu percebo esses diversos grupos percussivo formados por mulheres como sintomático”, conta.

“É uma tecnologia que deve ser abraçada e mantida, pois temos excelentes respostas graças a elas”, aponta Vivian.

 

Texto: Marcelo Ricardo, repórter-estagiário do portal Correio Nagô

Sob supervisão do jornalista André Santana (DRT BA 2226)

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