01/06/2018 | às 20h38
Na última terça-feira (29), a escritora mineira Conceição Evaristo foi ovacionada no Teatro Castro Alves, em Salvador, ao revelar que vai se candidatar à cadeira de número 7 da Academia Brasileira de Letras, antes ocupada pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos.
“Quando a gente entende que todos os lugares são nossos…é por esse entendimento que eu vou me candidatar sim à Cadeira 7. Agradeço a Salvador porque um dos primeiros manifestos de apoio surge aqui, justamente com a abaixo-assinado da professora Denise Carrascosa e com a Dayse Sacramento”, anunciou a escritora na terceira edição do evento Mulher com a Palavra. Falando de feminismos, Conceição Evaristo dialogou com a rapper paranaense Karol Conká, sob a mediação da jornalista e apresentadora baiana Rita Batista.
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Apesar de escrever desde a infância, Conceição Evaristo só começou a publicar seus textos com 44 anos, nos Cadernos Negros em 1990. A partir do que denominou de “escrevivência”, lançou um olhar sensível e pertencente às dores e alegrias dos personagens, trazendo a profundidade das questões que englobam a vida das pessoas negras, sobretudo as mulheres negras. Foi homenageada da 34ª edição do programa Ocupação Itaú Cultural e vencedora do prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas em 2015, com o livro “Olhos D’Água”. A autora escreve romances, contos e poemas que dão conta da lacuna deixada pela literatura brasileira às mulheres negras.
#ConceiçãoEvaristoNaABL
Com quase 20 mil assinaturas, um abaixo-assinado online, proposto pelo coletivo Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras. pressiona a Academia Brasileira de Letras, para que Conceição Evaristo ocupe a Cadeira 7. A meta é chegar a 25 mil assinaturas.
“Esta é uma campanha pela ocupação da cadeira de número 7 da Academia Brasileira de Letras pela intelectual negra que conheceu a escravidão desde sua linhagem ancestral e em seu corpo de mulher afrobrasileira que escrevive suas tragédias e potências contemporâneas cotidianas”, diz texto da petição assinada pela professora da Universidade Federal da Bahia, Denise Carrascosa.
“Conceição Evaristo é uma escritora com envergadura suficiente para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Seu nome apareceu – pela primeira vez- em minhas leituras com Cadernos Negros, nos idos anos de 1990. Ali já ecoavam vozes ancestrais do passado e de sua ascendência (e minha) sobre a vida das mulheres negras no Brasil. Desde então ela deu segmento a uma robusta produção (seis livros publicados, virou tema de exposição e ganhou o prêmio Jabuti de melhor livro de contos), por isso merece sim ocupar a Cadeira de número 7 na Academia Brasileira de Letras,” atesta a professora de língua portuguesa Nelma Silva.
“Ter Conceição Evaristo na Academia Brasileira de Letras não é uma honra para nós. Na minha visão, não está nem nessa lógica de uma reparação racial ou de gênero, é muito maior do que isso. É devolver à Academia a sua vocação literária, é recuperar a memória do seu fundador Machado de Assis, um escritor negro, o maior escritor de prosa do País. A entrada de Conceição seria uma honra para a Academia”, argumenta a poeta e escritora baiana Lívia Natália.
“A nossa escrevivência não pode ser lida como história de ninar os da casa-grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos” – Conceição Evaristo
Para a escritora e mestra em Museologia pela Universidade Federal da Bahia, Joana Flores, pensar em Conceição Evaristo na Academia Brasileira de Letras, “é um retorno sobre o quanto essa escritora de pele preta vem fortalecendo as narrativas negras. Ela é esse passo a frente, mas muito atrasado, para que nós, escritoras negras, acreditemos que nossas escritas são compreendidas dentro desse lugar clássico”.
O NÃO LUGAR NEGRO NA ABL
O não lugar dado à literatura negra reflete na pouca presença de escritores e acadêmicos negros na ABL.
“A Academia Brasileira de Letras é uma instituição que nunca se dedicou a pensar nossa literatura [literatura negra] e nos reconhecer enquanto literatura. Ela reduplica na sua própria formatação uma lógica de literatura erudita que tem vários preconceitos e violências de base com as minorias. E ocupar esse lugar é uma forma de rasurar a estrutura que está imposta, é um gesto de demarcação de espaços, por que é necessário estar dentro da estrutura para abalar,” reforça a escritora de Sobejos do Mar, Lívia Natália.
TEXTO: Donminique Azevedo é editora e Beatriz Almeida, repórter-estagiária, ambas do Portal Correio Nagô.