Qual o lugar da mulher no Carnaval?
O Carnaval de Salvador é uma festa popular de rua que é, teoricamente, de todos e para todos. No entanto, pesquisa feita pelo Instituto Data Popular revela que 49% dos homens disseram que bloco de Carnaval não é lugar para mulher “direita”.
61% dos homens abordados afirmaram que uma mulher solteira que vai pular Carnaval não pode reclamar de ser cantada.
Em entrevista ao Correio Nagô, algumas mulheres relataram situações de assédio no Carnaval, preferindo não se identificar, ressaltaram que na avenida acontece o tempo todo coisas como: puxar o cabelo, o braço, tentar beijar a força entre outras situações.
Leia alguns depoimentos coletados por nós no Carnaval 2017:
“Saí do camarote para comer com meu namorado e a cunhada dele, tava parada, um menino já chegou puxando meu pescoço e tentando beijar, isso gera muita revolta”;
“Vários Filhos de Gandhi, entre seus grupos cercaram eu e outras duas amigas pra tentar beijar. Eles apertaram a gente totalmente para que não saíssemos, tipo, 5 ou 6 Gandhi, contra 3 garotas”;
“Já passei por uma situação de por eu ser pequena, o cara chegar a me carregar pra me beijar a força”;
“Ao sair de perto dos amigos para comprar um lanche, um filho de Gandhi me segurou pelos braços e tentava me beijar a força, eu não conseguia sair, ele tentava a todo custo colocar o colar no meu pescoço, até que uma amiga apareceu e puxou ele, eu saí com os braços vermelhos”;
“As Muquiranas estavam passando pelo Trio das Minas, um deles tentou me beijar, eu resisti, e ele foi e jogou um monte de água em mim”;
Dentre inúmeros relatos de assédio, agressão e estupro – posto que, qualquer ato libidinoso sem consentimento é estupro – é difícil encontrar uma mulher que nunca passou por situações como estas acima, no Carnaval de Salvador.
O ano todo o país vivencia a atuação do machismo em regime de opressão cotidiana sobre as mulheres. Porém, no Carnaval é como se uma marchinha ecoasse o tempo inteiro “é Carnaval, tudo pode”.
CONTRA NARRATIVAS
Trio das Minas
O Trio das Minas foi uma iniciativa da Secretaria de Políticas para Mulheres do Governo do Estado. O trio sem cordas saiu em torno das 17h30 no dia 27 de fevereiro (segunda) no circuito Campo Grande, com as cantoras com Larissa Luz, Mc Carol e a Tassia Reis.
O trio integra a campanha ‘Respeita as Minas’. Achamos que essas são formas de sensibilização pela música, pelo empoderamento de tantas cantoras mulheres e negras”, afirma a secretária estadual de Política para Mulheres Julieta Palmeira.
“É parte da campanha o empoderamento das mulheres porque se você não empodera as mulheres fica muito difícil só com medidas repressivas resolver o problema da violência. Você precisa fazer com que as mulheres se empoderem e estejam ocupando diversos espaços da sociedade”, acrescenta a secretária.
Há quem defenda estratégias falíveis para sair no Carnaval e não ser assediada, como: “nada de roupas muito curtas” e “não pode beber muito”.
No entanto, a cantora Larissa Luz, soltou o verbo em cima do Trio das Minas dizendo que “o nosso lugar, o lugar da mulher é onde ela quiser”
A cantora disse também que muitas mulheres reprimem a sua forma de dançar e se vestir por causa dos julgamentos, e sendo assim, convidou a todas presentes para “dançar gostosinho, da forma que sentirem-se à vontade, sem receios”.
Mc Carol com suas letras de empoderamento feminino em ritmo de funk, levantou o público, assim como Tássia Reis, que subiu ao palco, cantou suas melodias e relembrou que é “pelo fim da violência contra a mulher”.
Bloco Afro Didá
A Associação Educativa e Cultural Didá é uma entidade cultural e sem fins lucrativos fundada em 1993.
O principal objetivo da Didá é a educação de mulheres e crianças através da arte.
Atua promovendo gratuitamente atividades educativas com base na arte englobando as manifestações populares criadas e mantidas pelos africanos e por seus descendentes.
O bloco afro Didá desfilou no sábado e na segunda ao meio-dia, com suas mulheres e crianças dançando e tocando seus instrumentos percussivos.
Criada por um homem, o maestro Neguinho do Samba, criador do samba reggae, a Didá é atualmente regida inteiramente por mulheres.
O tema do bloco neste ano de 2017 é: “Real realeza toda mulher negra é uma rainha quilombola”.
De cima do trio as palavras dirigidas ao público diziam o quanto é necessário “reconhecer a nossa força, nossa coragem, a nossa inteligência e beleza, entender que somos guerreiras, mas que sobretudo somos rainhas”.
“O empoderamento feminino está sendo um destaque de grande valia principalmente para nós mulheres negras que, até então, não tínhamos uma visibilidade, não tínhamos espaço. Hoje podemos levantar a cabeça e dizer “eu tenho meu espaço, sim”. Eu tenho condição de estar incluída na sociedade, fazer a diferença e fazer o que sei porque eu sou igual a qualquer outro ser humano”, relatou a maestrina e baterista do bloco afro Didá Adriana Portela.
Pâmela das Neves, de apenas 15 anos, disse que viu o bloco passando na televisão, e encantada resolveu participar do bloco. “É algo representativo, me faz ter vontade de tocar também”, conta.
A Mulherada
O bloco afro A Mulherada surgiu em 2001 como uma ação afirmativa, pois nesta época ainda havia preconceito em relação às mulheres tocarem tambor e muito blocos não permitiam a participação delas.
O instituto A Mulherada, grupo formado por mulheres, tem foco na defesa dos direitos das mulheres e luta pelo fim da violência contra mulher. O Instituto vem desenvolvendo um trabalho de defesa dos direitos das mulheres e combate à violência familiar através da arte, educação e música em Salvador.
A Mulherada ocupou as avenidas, no dia 23 de fevereiro (quinta), por volta das 18h, levantando um banner que estampava o tema “Dandara, a guerreira de Palmares – A face feminina do empoderamento negro”.
“Blocos como “A Mulherada” são importantíssimos. Os blocos de mulheres devem ser saudados na avenida, porque expressam a força e determinação dessas mulheres de se organizarem e irem para rua. Mas, com uma perspectiva de valorização das mulheres, de empoderamento. Portanto, o bloco A Mulherada inclusive com essa homenagem à Dandara é muito importante”, afirma a atual secretária estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte e ex-secretária de Política para Mulheres Olívia Santana.
#DENUNCIE 180
Dentre mulheres entrevistadas prevalece o medo dos abusos carnavalescos e a dificuldade para denunciar essas situações.
A professora de tranças e turbantes da Escola Olodum Dani Santana falou sobre a dificuldade de denunciar um homem abusivo no Carnaval, visto que não se sabe nada a respeito do agressor, nem mesmo um nome.
“Se tem uma coisa que me preocupa muito com a mulher, principalmente a mulher negra no Carnaval, é essa questão do corpo, porque tá complicado, as pessoas acham que tem o direito de te tocar e te pegar como se seu corpo fosse público, é exótico”, disse Dani Santana.
Em entrevista ao Correio Nagô, o secretário de Segurança Pública Maurício Barbosa contou sobre as medidas que estão sendo tomadas a respeito da violência contra as mulheres no Carnaval.
“Nós temos um reforço e um programa específico para fazer o atendimento às mulheres vítimas da violência e também uma campanha de prevenção junto à Secretaria de Políticas para as Mulheres”.
“No Carnaval nós empregamos nossa Ronda Maria da Penha, todo um efetivo indo nos circuitos, conscientizando todas as pessoas e também fazendo a prisão de pessoas que venham cometer um crime de lesão corporal ou ofensas morais. E também os reforços dos nossos postos policiais com policiais femininas. A polícia civil está fazendo o aconselhamento e o atendimento às mulheres que são vítimas de violência”, acrescenta Maurício Barbosa.
Com unidades atuando nos circuitos Barra/Ondina (Dodô) e Centro (Osmar), os policiais da Operação Ronda Maria da Penha atenderam neste Carnaval, mais de 1.500 pessoas nos seis dias de festa. Além disso, duas pessoas foram presas em flagrante e 12 episódios de ataques contra mulheres foram detectados.
A vereadora Aladilce, umas das poucas mulheres na Câmara Municipal de Salvador e atual presidente da Comissão de Defesa da Mulher na Câmara, informou que “a pauta da violência contra mulher tem sido prioritária neste mandato. Há uma procura constante e permanente para estar atenta a todos os casos de violência, desenvolvendo campanhas e tomando atitudes como articulação com órgãos e instituições do movimento social de defesa da mulher para que a gente possa construir uma rede de proteção a mulher e possa coibir essa violência”.
Joyce Melo é repórter do Correio Nagô