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Covid-19: Mulheres negras e técnicas em enfermagem são as trabalhadoras de saúde em maior risco

Pesquisadores da Rede CoVida apontam ampla desigualdade técnica e social dos trabalhadores de saúde em nova edição de Boletim

Texto: Adalton dos Anjos Fonseca, Karina Costa e Raquel Saraiva (Rede CoVida – Ciência, Informação e Solidariedade)*

As mulheres profissionais da Enfermagem são a principal frente de trabalho no cuidado dos paciente com Covid-19 e por isso constituem o grupo de profissionais de saúde mais vulneráveis. Dentro desse grupo, a maior parte delas é negra, 53%, e técnicas de enfermagem, 60%, ou auxiliares, 20%, sem nível superior. As informações estão compiladas no Boletim CoVida #5, intitulado “A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19”, realizado por pesquisadores da Ufba, Fiocruz/Bahia e outras instituições que formam a Rede CoVida: Ciência Informação e Solidariedade.

De acordo com o Boletim, as divisões de gênero e raça são bastante diferentes entre médicos e enfermeiros. Metade dos médicos são homens e 77,7% deles são brancos. Já entre os profissionais de enfermagem, 85,1% são mulheres e 53% delas são negras. “Nesta divisão técnica e social deste trabalho, considerando que as enfermeiras têm nível superior e as auxiliares e técnicas têm nível técnico, vamos encontrar uma desigualdade técnica e social”, explicou Ednir Assis, professora e pesquisadora da Escola de Enfermagem da Ufba, durante o lançamento do Boletim.

As desigualdades de renda e de acesso à informação entre os trabalhadores de saúde também são questões levantadas pelos pesquisadores. “Temos uma base da pirâmide de espalhamento da pandemia que envolve um conjunto muito heterogêneo de profissionais e trabalhadores de saúde. Precisamos levar em conta essa heterogeneidade não só pela questão de ocupação, mas vulnerabilidade social” reflete Carmem Teixeira, professora e pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva da (ISC/Ufba), ao ressaltar à importância de estudar os riscos que correm motoristas de ambulância, maqueiros e até o pessoal que vai sepultar os corpos.

As condições de trabalho também foi um ponto abordado pelos pesquisadores no Boletim. Extensas jornadas de trabalho, cansaço e estresse têm sido denunciados pelos profissionais. Muitos deles têm apresentado irritação na pele, feridas, infecções secundárias e outras doenças de pele pelo uso da máscara e pela higiene frequente das mãos. Cerca de 97% apresentam lesões que afetam a “ponte” do nariz, mãos, bochecha e testa.

“Não basta a gente render homenagens ou exaltar os trabalhadores. É necessário que neste momento a gente dê visibilidade a necessidade de garantir os direitos e pondo esses trabalhadores no centro do debate”, defende Isabela Cardoso, professora e diretora do ISC/Ufba. Além disso, algumas questões em relação ao trabalho no setor de saúde já eram antigas, segundo a pesquisadora. “Uma delas é a insuficiência de pessoal e a má distribuição desses profissionais entre estados e municípios. Estamos vendo a questão que Manaus vem enfrentando”.

Saúde mental

Aumento da ansiedade, depressão, insônia, maior uso de drogas e medo de se infectar ou transmitir a doença aos familiares são relatos comuns entre profissionais de saúde que prestam atendimento direto aos pacientes. Além disso, a intensa carga de trabalho e o sentimento de impotência geram estresse crônico, exaustão e esgotamento. Também foram relatados como fatores de estresse o cuidado a colegas de trabalho que podem ficar gravemente doentes ou morrer de Covid-19, a escassez de EPIs, que intensifica o medo de exposição ao vírus no trabalho, a necessidade de assumir papéis clínicos novos ou desconhecidos por causa da demanda e o acesso limitado a serviços de saúde mental.

A tendência é que esses quadros piorem ainda mais num contexto de escassez de mão-de-obra, já que muitos profissionais vêm sendo afastados por contraírem a Covid-19 e o número de pacientes vêm aumentando. O trabalho mostra ainda que as mulheres, as enfermeiras e profissionais envolvidos no diagnóstico, tratamento ou prestação de cuidados de enfermagem a pacientes do novo coronavírus estão entre os grupos mais afetados.

Propostas

Com base nos trabalhos analisados, os pesquisadores da Rede CoVida listaram uma série de propostas e ações para proteção dos profissionais de saúde, em especial de enfermeiros, além da adoção de protocolos claros de controle de infecções (padrão, contato, via aérea) e disponibilidade adequada de EPI em seu local de trabalho, incluindo máscaras N95, aventais, proteção para os olhos, escudos e luvas.

Uma das propostas é a adoção de estratégias que evitem a troca constante de materiais entre os profissionais. Um hospital chinês, por exemplo, aboliu o papel e adotou versões digitais para todos os documentos, incluindo formulário de admissão, prescrições, fichas, registros médicos e resultados dos exames. Nenhum enfermeiro do hospital foi contaminado durante a pandemia na China.

Outros pesquisadores recomendam que as instalações de assistência médica que empregam enfermeiros devem garantir disponibilidade e uso consistentes de suprimentos de higiene das mãos, fornecer informações atualizadas sobre procedimentos de triagem, isolamento e quarentena com base nas orientações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

O combate à pandemia exige sucessivas mudanças na organização e gestão do trabalho dos profissionais de saúde. A adoção de turnos de 6 h de trabalho dos enfermeiros, com superposição de uma hora e a implantação da monitoria online ou presencial do trabalho desses profissionais se mostrou uma medida segura em um hospital na China. Segundo 75% dos profissionais entrevistados, isso diminuiu a colocação e retirada de EPIs e o movimento constante entre áreas limpas e contaminadas.

A separação de equipes em cuidadores e não cuidadores de Covid-19 é apontada por alguns autores como necessária para reduzir risco de transmissão. Para os cuidadores, há priorização de uso de máscara no cuidado clínico normal e monitoramento duas vezes ao dia da temperatura corporal e eventuais sintomas respiratórios. Cuidados no ambiente também foram destacados, como inclusão de medidas rotineiras diárias a exemplo limpeza das máquinas anestésicas e respiradores, cobertura dos equipamentos médicos com papel filme, instruções para a inserção e retirada das roupas e restrição da área de circulação.

De acordo com os autores, muitos dos trabalhos analisados citam a necessidade de capacitação dos profissionais como fundamental para padronizar os processos de trabalho das equipes de saúde, desde a correta lavagem das mãos para evitar infecção cruzada, até o treinamento para o manuseio, esterilização, limpeza e descarte corretos dos EPI.

O Boletim CoVida #5 pode ser acessado neste link: https://covid19br.org/relatorios/boletim-covida-5/

Sobre a Rede CoVida

A “Rede CoVida – Ciência, Informação e Solidariedade” é um projeto de colaboração científica e multidisciplinar focado na pandemia de Covid-19. A rede visa ao monitoramento da pandemia no Brasil, com previsões de sua possível evolução. Visa também à produção de sínteses de evidências científicas tanto para apoiar a tomada de decisões pelas autoridades sanitárias quanto para informar o público em geral. É uma iniciativa conjunta do Cidacs/Fiocruz e da Universidade Federal da Bahia (Ufba), com apoio de colaboradores de outras instituições de pesquisa nacionais e internacionais.

* Autores do Texto:

Adalton dos Anjos Fonseca é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA), jornalista (UFBA), relações públicas (UNEB). Colabora voluntariamente para a Rede CoVida

Karina Costa é analista de comunicação do Cidacs/Fiocruz, mestre em Comunicação e Informação em Saúde pela Fiocruz e é editora no Boletim CoVida.

Raquel Saraiva é graduanda em Comunicação Social (UFBA), bióloga e mestra em Fisiologia (UFBA), editora do blog de divulgação científica Bate-papo Com Netuno. Colabora voluntariamente para a Rede CoVida.

Publicado em 26/05/2020

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