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De Almiros e Joaquins, por Sérgio São Bernardo

De Almiros e Joaquins… 

Quando jovem, lembro-me que discutiámos em debates intermináveis os diversos modos de como seria o antes, o durante e o após a “tomada do poder”. Era algo esquizofrênico. Pensava: para quê nos preocuparmos com o que será do que ainda não é? Aqueles debates eram sobre o caráter da vanguarda – se era de massas ou era de quadros. E além disso, discutíamos qual seria o caráter da “revolução”, se era por etapas ou se era por via insurreicional e se o caráter do exercício do poder seria um governo revolucionário ou um governo democrático. Tudo me parecia dentro e fora de propósito. E, aos dias de hoje, pensando nos programas e bandeiras do movimento negr@ brasileiro, tudo isso ainda me parece dentro e fora de propósito.

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Hoje, a maioria dos negr@s não querem fazer a “revolução” pela tomada do poder de Estado, porque já o ocupa por via etapista e institucional. A maioria dos negr@s brasileiros não se preocupam tanto por concepções de poder global, porque pensam que, com a instituição de um poder estruturado na igualdade de raças, podem apontar para um universo de igualdade em outros setores da vida humana. Por isso, a luta aqui é para aumentar os números de participação política e de acesso à igualdade material. Esta luta, no passado, era vista como reformista e pequeno burguesa, pois nada resolveria o futuro para a maioria negra. Hoje, esta mesma luta individual e grupesca cheira a mero crescimento vegetativo. A quantidade de vida que estamos a produzir é bem menor do que a quantidade de vidas que estamos a destruir. A maioria da elite política, diz que não precisa de “revolução” e sim de diálogo. Os que são partidários da “revolução” também “dialogam” e chamam aqueles que “dialogam” de “Pai Tomás”. Sempre disse que este é um discurso liberal e não comunitário. Não tem nada de “ancestralidade” e nem de africanidade antiga nisso, mas tem muito de realismo político e africanidade moderna. 


Quando negr@s ascendem ao poder o “olhar enviesado” de que falara Milton Santos, vai junto. Mas os negr@s tratam logo de fazer de conta de que inexiste olhar enviesado. Como são referências, mesmo que não pretendam a isso, tudo que fazem e dizem é observado e refletido. Aquele debate do primeiro parágrafo nada sugere à maioria dos negr@s que ascendem ao poder no Brasil. Uns se comportam como “negr@s bacanas” e vão até o último recurso da sofisticada máquina de alcançar pertencimentos e se isolam em seus casulos confortáveis das universidades, órgãos públicos, empresas e bairros “nobres”. Outros se comportam como “bacanas negr@s” e vão até o último recurso da sofisticada máquina da bajulação e da destruição identitária e do que resta de civilização africana dentro de seu corpo. Uns poucos defensores dos negr@s que têm fome de comida e justiça se auto-intitulam “o messias” e se confundem com o debate do primeiro e do segundo parágrafo.

Disse, em outro artigo que escrevi, que o “NEGR@ MORRE PORQUE BRILHA DEMAIS” e porque, na maioria das vezes, faz disso um projeto pessoal e messiânico. Uma aurora boreal em que o brilho nasce da negrura da noite e dos lapsos de luzes do sol em que o sentido mesmo é concedido mais pelo que ofusca do que pela negrura da luz. Almiro Sena, ex Secretário da Justiça da Bahia, Joaquim Barbosa, futuro ex Ministro do STF, morrem porque não entenderam seus papéis. Não entendem que não estão ali para brilharem sozinhos, a partir de idiossincrasias calculadas na medida de seus desejos e limitações. Não são “o messias” e nem devem sê-lo para não contaminar uma juventude empreendedora que quer fazer historicamente algo mais que os seus proto modelos. Aqui, quando um negr@ “passa a perna” em outro negr@, não é possível falarmos nada, porque temos que preservar o negr@ que “passou a perna” para não nos perdermos. De mais a mais, sigo pensando que o silêncio do movimento negr@ sobre diversos assuntos polêmicos apenas revela que estamos na fase do terceiro parágrafo.

Sérgio São Bernardo

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