Pessoas que trabalham com a defesa dos direitos humanos reivindicam a criação de um marco legal que garanta efetiva proteção a esses ativistas – muitas vezes vítimas de ameaças e ações violentas de grupos cujos interesses são contrariados.
Para Darci Frigo, marco legal é fundamental para que haja política de Estado mais clara e organizada na proteção aos defensores. (Foto: Everson Bressan. AE Notícias)
Desde 2004, o Brasil possui um Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, implantado no primeiro governo Lula pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Mas, devido à falta de uma legislação específica, o funcionamento das ações ainda é precário. Projeto de lei nesse sentido, sob o número 4575, de 2009, não recebe tratamento prioritário no Congresso Nacional, segundo movimentos que lidam com a questão. Sem o marco legal, o programa federal esbarra numa série de entraves, como falta de recursos e dificuldades de articulação com os governos estaduais.
Para o coordenador do Comitê Brasileiro de Defensores(as) de Direitos Humanos, Darci Frigo, a aprovação do projeto é fundamental para o funcionamento adequado do programa. Um dos maiores problemas, de acordo com Frigo, é que os processos para a inclusão no programa costumam ser longos e demorados, muitas vezes em situações em que os defensores já correm risco de vida.
“O programa não detalha quais são as medidas a serem adotadas nas situações mais graves, em que os defensores já estão correndo risco de vida. Mesmo nessas situações eles têm de passar por procedimentos demorados, que visam reconhecer este status de risco e a situação que levou às ameaças”, explica.
A principal crítica feita pelo comitê é a falta de articulação entre os estados e o governo federal na coordenação do programa. “Há dificuldades para articular os responsáveis pela coordenação e as forças policiais.” Para Frigo, o descaso com o funcionamento do programa se dá em grande parte pela falta de interesse dos governos estaduais no comprometimento com a questão. “Quando a responsabilidade cai nas esferas dos governos estaduais a prioridade é baixa, há muito interesse das oligarquias locais, dos interesses econômicos e políticos que se sentem ameaçados com as denúncias de violações feitas pelos defensores”, explica.
Segundo dados da SDH, entre 2007 e 2011 foram investidos mais de R$13 milhões no programa. Em 2012, o orçamento foi de R$ 4,5 milhões. “É um valor bastante pequeno, assim não dá para ampliar o programa para outros estados que ainda não firmaram convênio”, comenta Frigo.
Atualmente apenas sete estados têm o programa implementado em convênio com o governo federal: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Ceará. Nos outros estados é uma equipe federal que se responsabiliza pela proteção.
Em 2012, o programa recebeu 102 pedidos de inclusão. Segundo a SDH, todas as solicitações receberam “tratamento”, e o programa realizou 113 atendimentos in loco. Nenhum defensor incluído no programa foi morto até agora. Não é possível estimar o número de defensores de direitos humanos que existem no Brasil, já que o conceito de defensor, como recomendado pela Declaração sobre Defensores da Organização das Nações Unidas, deve ser empregado de maneira ampla: “indivíduos, grupos e associações (…) que contribuem para (…) a eliminação efetiva de todas as violações a direitos humanos e liberdades individuais e coletivas”.
Reivindicações
O relatório “Transformando Dor em Esperança – Defensores e defensoras dos Direitos Humanos nas Américas”, produzido e divulgado em dezembro do ano passado pela Anistia Internacional, critica o programa por apresentar “várias deficiências, como instabilidade de financiamento e falta de compromisso genuíno para oferecer proteção significativa em alguns casos”.
Diante deste cenário, o comitê entregou em dezembro de 2012 uma carta à ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, com reivindicações em relação ao PPDDH. A carta é resultado do Seminário Brasil-União Europeia sobre Defensores de Direitos Humanos, realizado em Brasília, de 10 a 12 de dezembro, que teve como objetivo debater a reorganização da política nacional de proteção aos defensores dos direitos humanos. A principal reivindicação é a aprovação, no Congresso, do projeto 4575, que transforma o programa em lei. A carta defende a criação de “uma rede maciça de ações e informações” entre vários ministérios e órgão federais – Justiça, Desenvolvimento Agrário, Igualdade Racial, Cidades, Meio Ambiente, Desenvolvimento Social e Saúde, entre outros.
Frigo lembra também da função legitimadora que o marco traria para os defensores. “A regulamentação poderia tornar a categoria dos defensores reconhecida legalmente, especialmente perante a setores da segurança pública, que entendem que só serão responsabilizados pela proteção quando houver uma lei ou um reconhecimento formal que indique isso a eles.”
Além do maior envolvimento da SDH e de ministérios no programa, Frigo lembrou da importância de um maior reconhecimento do papel da sociedade na implementação de toda e qualquer ação na área de Direitos Humanos. O Poder Judiciário e o Ministério Público foram apontados por ele como importantes agentes na luta contra a impunidade em crimes contra defensores.
O aumento orçamentário é outro ponto contemplada na carta entregue à SDH. Para Frigo, a regulamentação do PPDDH influenciará também nesta questão. “Se você tem o Programa instituído, você também pode ter depois a designação de verbas orçamentárias.”
Democracia de Conteúdo
O desenvolvimento de campanhas publicitárias contra a criminalização de defensores de direitos humanos, de movimentos sociais e ONGs é outra reivindicação do comitê. “Se há uma ONG que desviou recursos, são feitos ataques a todas as ONGs; quando lideranças de movimentos são perseguidas, há a desmoralização de todas as investigações. Este é um processo de enfraquecimento da atuação dos defensores, de não reconhecimento do papel deles na sociedade”, comenta.
Segundo ele, a campanha deveria ressaltar a importância da atuação dos defensores para o exercício pleno da democracia no país. “Os defensores fazem uma papel fundamental para uma sociedade que quer ter uma democracia de conteúdo e não uma democracia só de fachada. Uma democracia de conteúdo significa ser uma sociedade que ponha em prática os direitos humanos.”
O processo de criminalização dos defensores é perverso, de acordo com ele, porque cria preconceitos na sociedade. “Criou-se a ideia de que de que os defensores de direitos humanos são defensores apenas de pessoas encarceradas, como são chamados ‘os defensores de bandidos'”. Ele defende que fique claro para todos que os defensores prestam serviço para toda a sociedade, “desde pessoas que trabalham em associações, indígenas, negros, mulheres, movimentos sociais, enfim, todos, incluindo também advogados e defensores públicos”.
Falta de preparo
O relatório “Transformando Dor em Esperança”, da Anistia internacional, mostra que os defensores em maior perigo na América são aqueles que lutam por direito à terra, território e recursos naturais. “A desigualdade entre ricos e pobres é maior nas Américas do que em qualquer outro continente. Disparidades na distribuição de terras e de recursos econômicos refletem essa divisão profundamente arraigada. Conflitos relativos a terras, territórios e recursos naturais sempre estiveram no cerne das questões de direitos humanos no passado e no presente das Américas”, diz o documento.
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) referentes ao ano de 2011 mostram que ocorreram naquele ano 29 assassinatos em conflitos por terra, 38 tentativas de assassinato, 49 mortes em consequência de conflitos, 347 pessoas ameaçada de morte, 89 trabalhadores presos e 215 agredidos.
Citado no relatório da Anistia Internacional, Alexandre Anderson de Souza, presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), que alerta sobre os danos ambientais e sociais dos empreendimentos feitos na região da Bahia da Guanabara, no Rio de Janeiro, relatou falhas na proteção que recebeu após ser incluído no PPDDH.
Em 2007, Alexandre comandou um protesto contra a construção das plataformas e dos dutos submarinos na Baía. Em 2009, um protesto de 38 dias da associação interrompeu os trabalhos de instalação dos dutos. Alexandre e sua esposa, Daize Menezes de Souza, passaram a receber ameaças.
Em agosto do mesmo ano, eles foram incluídos no PPDDH. No entanto, Alexandre fez diversas queixas sobre os policiais responsáveis pela proteção, afirmando que estavam mal preparados e mal equipados. Ele também afirmou que alguns agentes haviam trabalhado como seguranças na obra dos dutos e que já haviam se envolvido em confrontos com membros da Ahomar.
O Programa
No âmbito federal, o programa de proteção é coordenado pela SDH e uma equipe técnica que atende os casos nos estados em que não existe iniciativa. A coordenação nacional delibera sobre os pedidos de inclusão e define as medidas a serem adotadas.
Para ser inserido no PPDDH, o defensor precisa encaminhar um pedido à coordenação estadual, caso exista, ou diretamente à coordenação nacional. Também deve enviar documentos e informações que demonstrem sua atuação, assim como a descrição da ameaça ou da violação de direitos.
Após análise, que inclui visitas no local de atuação do defensor, há várias medidas que podem ser empregadas, como audiências públicas de solução de conflitos; divulgação da atividade do defensor e do programa; monitoramento através de visitas periódicas ao local; retirada provisória do defensor de seu lugar de atuação; e, apenas em casos emergenciais, proteção policial.
Há três modalidades de proteção policial: escolta 24 horas por dia; escolta para deslocamentos; e rondas policiais no local da ameaça. A primeira modalidade, chamada de “proteção dura”, tem hoje 10 pessoas sendo atendidos, a maioria no estado do Pará.
Frigo ressalta que além destas modalidades de proteção, é necessário que os crimes e ameças sejam investigados, e as causas geradoras da situação de risco sejam combatidas. “A investigação é fundamental, porque sem investigação a proteção fica sem nenhum encaminhamento concreto da situação. É preciso também enfrentar aquilo que causa a ameaça, ou seja, com medidas mais estruturais, com políticas públicas que combatam as violações de direitos humanos.”
Por: Júlia Rabahie, da Rede Brasil Atual
Fonte: Rede Brasil Atual