23/12/2018 | às 10h58 | Atualizada às 13h51
Com a chegada do calor, antes mesmo de anunciar o verão em dezembro, as ruas já assumem as características do inverno natalino. Luzes que simulam a queda da neve, renas e “então é natal” tocando avivam o sentimento de estar em família. Apesar da recorrente ausência de famílias negras na publicidade, a diversidade é o elemento principal da ceia natalina, oportunidade excepcional para o encontro diante da dinâmica contrária das agendas.
Tem família, inclusive, inspirando-se no Kwanzaa, uma festa inter religiosa que dura sete dias, muito comum nas comunidades afro americana e outros grupos da Diáspora. União, auto-determinação, trabalho coletivo e responsabilidade, economia cooperativa, propósito, criatividade e fé são os sete princípios que baseado nos ideais da colheitas dos primeiros frutos (veja matéria do Correio Nagô sobre o Kwanzaa). Fundamentado nas festividades, o Quilombo Ujima realizará neste domingo (23), um encontro baseado no kwanzaa.
“A ideia não é fazer um Natal negro, mas uma mostra de que podemos usar de referências africanas como o kwanzaa”, ressalta Alan Silva, um dos integrantes da organização. Sem líderes, a organização é estruturada por concelhos, Alan integra o “Concelho Gestor” que articula as atividades. “Nossa inspiração no kwanzaa busca resgatar a memória de nosso povo e elencar formas de resistência a partir das tecnologias sociais africanas”, afirma.
Tradicionalmente o kwanzaa acontece entre os dias 26 de dezembro e dia 1 de janeiro. No entanto, o Quilombo Ujima irá realizar o encontro apenas no dia 23. “Nós trabalhamos com socioeducação, mas acabamos nos distanciando fisicamente, a nossa inspiração do kwanzaa é o momento do reencontro”, relata Alan. A ideia, segundo Alan, veio a partir da celebração realizada na Escola Winnie Mandela, da organização Reaja ou será morto, reaja ou será morta.
Os integrantes e familiares irão celebrar no Parque da Cidade, em Salvador. Os participantes também levarão pratos variados. “Eu brinquei dizendo que se quiserem trazer feijoada ninguém vai recusar”, brinca Alan. A cada hora do encontro os sete princípios serão apresentados, integrantes de diversas religiões também apresentarão formas de combate ao racismo a partir de seus contextos.
QUASE MICARETA NATALINA
A assessora de editais Ariadne Ramos conta que os preparativos em sua família começa por volta de 4 meses antes. Esse ano, a família com aproximadamente 35 pessoas, entre parentes, cônjuges e “agregados” decidiu alugar um imóvel em Barra de Jacuípe. “Nos organizamos em núcleos: quem faz as atividades domésticas, os responsáveis por lavar os pratos da ceia, quem corta os temperos e o preparo da ceia. Todos participam”, descreve Ariadne.
“Esse ano ficou muito em cima nossa organização, mas nos anteriores montamos cardápio. Em um desses encontros fizemos caruru, com direito ao vatapá feito por tio Railton, que já foi considerado o melhor da Costa do Dendê em 2016”, conta, orgulhosa da família. A quase “micareta natalina” começou com uma das tias de Ariadne. Após o falecimento dos avós da assessora, a tia decidiu fazer do lazer um momento para manter os laços firmes.
“Minha tia começou a administrar esse momento para que não perdêssemos o vínculo. Acredito que não fugimos da tradição natalina, mas, só conseguimos nos unir por conta da cooperação de todos”, destaca. Para Ariadne a oportunidade de reencontrar os familiares é um dos melhores momentos do festejos. “Fico feliz em poder reencontrar primos e outras pessoas que participaram de minha infância e que ficam felizes de se encontrar”, afirma a assessora.
CELEBRAÇÃO ECUMÊNICA
Na casa da estudante de Comunicação Social Monique Reis, o período natalino é uma oportunidade de aproximar a família que reúne adeptos tanto de religião de matriz africana como evangélicos. “Eu digo para meus amigos que o Natal lá em casa é um culto ecumênico”, brinca Monique.
“Fazemos uma oração durante a ceia, essa oração é feita por minha mãe, que é do candomblé, e por meu pai, evangélico. De acordo a religião de cada um”, descreve a estudante. Esse é o momento em que Monique, a irmã, o cunhado e sua mãe recebem o pai da estudante. “É um momento também para colocar os assuntos em dias, beber, resenhar, dar risadas”, conta.
A casa é toda decorada por pisca-pisca, além da árvore de Natal, além do presépio natalino, comumente elaborado na região Nordeste do país. “É uma tradição que minha mãe herdou de minha vó”, pontua. A família costuma revezar entre passar as festas de final de ano em Salvador e em Feira de Santana, na casa da tia-avó de Monique.
Para as festas de fim de ano, a mãe de Monique costuma fazer limpeza na casa com folhas sagradas e tomar banhos para começar um ano com bastante positividade. Ela é quem fica responsável por montar o presépio. “Independente de ser um costume católico, eu faço com muito bom gosto, porquê vejo como algo cultural, sem contar que estar na missão de preparar as festas de minha casa, em um momento de união me deixa muito satisfeita”, conta.
Marcelo Ricardo é repórter-estagiário do Correio Nagô.
Com a supervisão da jornalista Donminique Azevedo.