19/02/2018 | às 18h20
Por Lucas de Matos*
‘O que é Lugar de Fala’ apresenta a potência de romper com o silenciamento sob a ótica de uma feminista negra
“Quero que o mundo se acabe/ Se não disser o que sinto”. Estes versos da poesia de Chico César nos levam para o entendimento da filosofia de Djamila Ribeiro em seu recente livro, ‘O que é Lugar Fala’, lançado no final de 2017 pelo Grupo Editorial Letramento, através do selo Justificando. Integrando a coleção Feminismos Plurais, o material aborda a expressão “lugar de fala”, tão usualmente utilizada nas redes sociais, em quatro capítulos que têm como norte o feminismo negro e suas vertentes.
Compreender os lugares de fala é discutir sobre processos identitários e historicamente moldados. Assim, a filósofa inicia o livro nos mostrando o quão importante foi (e é) a contribuição de mulheres negras para um entendimento mais amplo do feminismo, por meio dos estudos de diversas intelectuais negras (como Grada Kilomba, Sueli Carneiro e Linda Alcoff) para pautar a interseccionalidade, ou seja: raça, orientação sexual e classe não podem estar deslocadas do debate de gênero.
Através de uma crítica ao sistema colonial que (des)legitima identidades, cria privilégios, e dá autonomia a discursos de alguns segmentos em detrimento de outros, Djamila dinamita as barreiras do silenciamento, afrontando os privilegiados que desqualificam o debate de lugar de fala. Estes, desprovidos de poder argumentativo, rebaixam a discussão ao “mimimi” ou, simplesmente, negam-se a reconhecer a posição do outro, a fim de manter a estabilidade de suas zonas de conforto.
Assim, os grupos silenciados buscam protagonizar as próprias narrativas, rompendo a ideia de apassivamento das suas vozes. A filósofa também evidencia a importância de nomear, pois se não nomearmos as mulheres negras (por exemplo), como vamos pensar em estratégias para diminuir o feminicídio? É válido lembrar que o Mapa da Violência de 2015 apontou o aumento do assassinato a mulheres negras em 54,8%, enquanto o de mulheres brancas diminuiu 9,6%. Não se trata de hierarquizar opressões, mas de entender suas particularidades.
A partir do conceito de “ponto de vista feminista”, de Patricia Hill Collins, Djamila constrói pontes teóricas para a compreensão do que é lugar de fala. Além disso, ela nos dá uma aula sobre feminismo negro, trazendo personalidades importantes como Sojourner Truth (poeta e ativista afro-americana do século XIX), e várias feministas negrais intelectuais, para lembrar-nos que o legado dessas mulheres vem de longe, e hoje se afirma e potencializa cotidianamente.
Quando sujeitos silenciados reclamam o seu direito à voz, estão reivindicando a própria existência. Lugar de fala não se trata das ideias essencialistas como, por exemplo, a de que “só o negro pode falar sobre racismo”. Mas sim, sobre a possibilidade de transcendência do lugar subalterno, de ter voz e de ter vida. Assim como Chico César, Djamila segue falando o que sente, o que vive e o que acredita. Aposto que os seus leitores e leitoras vão seguir pelo mesmo caminho.
O que é Lugar de Fala?
Djamila Ribeiro
Letramento: Justificando, 2017
112 páginas
R$19,90
*Lucas de Matos é soteropolitano, 21 anos, estudante de Relações Públicas na Universidade do Estado da Bahia. Atua na área artística e de produção cultural.
Instagram @_lucasdematos