“Aprendi com Alice Walker que os brancos, como Nelson Piquet,
sempre deixarão escapar as falas racistas, ao estilo ‘aquele neguinho’,
pois, na verdade, estão honrando o DNA dos seus ancestrais. A
linguagem racista, segundo a psicanalista Lélia Gonzalez, não é um
lapso. Piquet conscientemente põe pra fora o discurso dominante da
brancura e branquidade históricas que construíram a sua identidade.” 1
Este trecho acima foi compartilhado pela Doutora em Estudos Feministas
(UFBA), Carla Akotirene, em 28 de junho de 2022, como legenda do print de uma matéria do Globo Esporte (GE) divulgada no dia anterior e intitulada: “Hamilton alfineta Piquet por fala racista em resposta a fã: “Quem é Nelson Piquet?’ – Heptacampeão se pronunciou em português nas redes sociais diante de repercussão de termo discriminatório adotado pelo ex-piloto brasileiro durante entrevista, e cobrou mudanças.”
Segundo a mesma matéria, a expressão “neguinho” foi usada por Piquet numa entrevista divulgada na internet, através da plataforma YouTube, em novembro de 2021, momento em que explicava a batida do heptacampeão britânico da Mercedes com o atual campeão da F1, Max Verstappen, seu genro, na edição do GP da Inglaterra daquele ano. O caso ganhou notoriedade na última semana, principalmente por conter um trecho em que Piquet, ex-automobilista e empresário brasileiro afirma que Lewis Hamilton teve a intenção de tirar Verstappen da corrida no Circuito de Silverstone e quando questionado compara com manobra similar realizada por Ailton Senna:
“O ‘neguinho’ meteu o carro e deixou. O Senna não fez isso. O Senna não fez
isso. Ele foi, assim, ‘aqui eu arranco ele de qualquer maneira’. O ‘neguinho’ deixou o carro. É porque você não conhece a curva; é uma curva muito de alta, não tem jeito de passar dois carros e não tem jeito de passar do lado. Ele fez de sacanagem.”
Retornamos aos comentários de Akotirene em suas redes sociais, ao nos revelar de forma enfática que “o colonizador nunca reconheceu a humanidade dos alforriados!!” E segue na tentativa de elucidar tal comportamento do ex-piloto branco frente à manobra realizada pelo piloto negro:
“A memória aflora aquilo incapaz de ser reprimido. Na cabeça dele, se estamos pobres é porque somos negros, se estamos milionários é porque queremos ser brancos, mas somos apenas neguinhos e neguinhas. O racista tem uma estrutura psíquica de superioridade, um delírio moderno, ao mesmo tempo a própria desimportância de quem se sabe, se reconhece e se sente branco perdedor. O branco vê o outro. Passando na frente!!”
Pra não “passar em branco” Hamilton, que nos últimos anos tem se tornado um dos principais atletas e ativistas da luta antirracista mundial, respondeu em sua conta do Twitter que sempre esteve cercado por essas atitudes e confessa ter sido alvo dessas manifestações ao longo de sua vida. Ainda sobre o racismo e antirracismo, Lewis escreveu que houve muito tempo para aprender e que agora é a hora da ação:
“Vamos focar em mudar a mentalidade”, disse o piloto da Mercedes
em português, para depois acrescentar em inglês: “É mais do que
linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm
lugar em nosso esporte.”
Piquet fez um pedido de desculpas para o piloto, que recentemente recebeu a cidadania brasileira honorária, e é o único piloto negro do esporte. Ele nega que sua declaração teve um cunho racista e pede desculpas “de coração a todos que foram afetados, incluindo Lewis, que é um piloto incrível.” Ainda de acordo com a nota, a tradução que circula em alguns veículos e nas mídias sociais não é correta e que o que disse na entrevista “foi mal pensado, e não defendo isso”. Para ele, o termo usado é aquele que tem sido largamente e historicamente utilizado coloquialmente no português brasileiro como sinônimo de ‘cara’ ou ‘pessoa’ e nunca teve a intenção de ofender.
Lewis Hamilton incomoda muita gente!!!
Recorremos, agora, ao brilhante texto do cantor e compositor, Ricardo Nêggo Tom, publicado no Brasil 247, cujo título já é bastante autoexplicativo: “O racismo recreativo de Nelson Piquet e como a supremacia branca reage à negritude que a supera.” Como se não fosse o bastante, o subtítulo reafirma e completa: “Nelson Piquet precisa harmonizar sua convicção de superioridade racial com o fato de que um homem negro é infinitamente superior a ele.”
Tom inicia o texto falando sobre o “Racismo recreativo”, conceito-livro de
autoria do jurista e professor de direito Adilson Moreira. Revela que ele explica o porquê de o “neguinho” ter sido utilizado pelo ex-piloto como pronome de tratamento à Lewis Hamilton. O texto traz uma citação de Moreira, publicada nas redes sociais: “Lewis Hamilton é um homem negro. Lewis Hamilton é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. Lewis Hamilton tornou a carreira de Nelson Piquet INSIGNIFICANTE.”
A representatividade é um dos temas abordados por Tom, a partir de experiências pessoais, frente as relações raciais no Brasil. Trata, também, do quão inaceitável é a superação de um homem negro e a certeza de que Piquet nunca mais terá a oportunidade de igualar a marca de Hamilton, ficando eternamente inferiorizado a esse “neguinho” na história da Fórmula 1. Isso porque além dos sete títulos mundiais, Lewis pode
conquistar outros e Piquet só conseguirá algum destaque nas manchetes dos jornais, servindo de chofer para um presidente tão racista e rancoroso quanto ele.
Como conclusão deste texto, mas não da polêmica relatada acima, surgem
rumores de que Piquet não poderá voltar ao local que abriga as equipes, veículos oficiais de prova e convidados durante as corridas, conhecido como Paddock. A Mercedes e a própria Federação Internacional de Automobilismo – FIA, se pronunciaram sobre o caso, repudiando a fala de Piquet. Findamos este texto, no momento em que o debate ainda está em curso e na certeza de que as manobras e os racistas não passarão e de que Lewis Hamilton ainda incomodará várias outras mentes racistas mundo a fora.
*George Oliveira é doutorando em educação pela Faculdade de Educação –
FACED, na Universidade Federal da Bahia – UFBA; mestre em Desenvolvimento e Gestão Social; Especialista em Inovação, sustentabilidade e Gestão de Organizações do Terceiro Setor; Graduado em Ciências Econômicas. Consultor de empresas nos temas
diversidade, inclusão e equidade; Escritor de textos antirracistas para blogs e sites, em 2021 lançou seu primeiro livro: Denegrir – Educação e Relações Raciais.
@livrodenegrir //// grbo2003@yahoo.com.br