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Editora Malê marcará presença na FLIP com lançamentos de livros, saraus e rodas de conversa

Por Cristian Sales*

Considerada uma das mais jovens e promissoras a atuar no mercado editorial brasileiro, a Editora Malê fará uma celebração da literatura negra na 15ª Festa Literária de Paraty (FLIP), que homenageará o escritor Lima Barreto (1881-1922). Os Encontros Malê, em Paraty, farão a “celebração da arte da palavra em suas diversas manifestações: diálogos com escritorxs, leituras dramatizadas, apresentações musicais e lançamento de livros”. “É uma tentativa de estar junto, de celebrar este momento e ao mesmo tempo de marcar que nossos passos vem de longe”, declarou Vagner Amaro, co-fundador da editora, em entrevista concedida a Cristian Sales para a Coluna Levantes Literários.

Vagner Amaro. Foto: Ana Branco (O Globo)

Além de divulgar e comentar a programação preparada especialmente para a FLIP em 2017, na entrevista, Vagner Amaro, que também é, bibliotecário, jornalista e produtor de eventos na área de leitura, reflete sobre a escolha do escritor negro Lima Barreto como grande homenageado do evento, que acontecerá entre os dias 26 e 30 de julho. “O objetivo é reconhecer e lançar luz sobre uma obra, sobre um pensamento e uma personalidade”.

Fundada em Julho de 2016, a primeira autora negra a fazer parte do catálogo foi Conceição Evaristo, que publicou seu último livro, Histórias de leves enganos e parecenças. A editora também tem publicado obras de nomes importantes, tais como: Cristiane Sobral, Cuti (Luiz Silva), Muniz Sodré, Martinho da Vila e Rosane Borges, entre outrxs. Na FLIP, serão lançados dois livros de poemas: um da escritora baiana Lívia Natália, Dia bonito pra chover; e o da escritora carioca Cristiane Sobral, Terra negra.

No dia 29/07, na Flip (2017), “lançaremos em parceria com o Grupo de pesquisa Intelectuais negras escritas de si, o catálogo digital Intelectuais negras visíveis, organizado por Giovana Xavier”.

Em 2017, a editora lançou a coletânea Olhos de azeviche: dez escritoras que estão renovando a literatura brasileira. A obra reúne vinte contos e crônicas das escritoras Ana Paula Lisboa, Cidinha da Silva, Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Esmeralda Ribeiro, Fátima Trinchão, Geni Guimarães, Lia Vieira, Miriam Alves e Taís Espírito Santo.

A Editora Malê surgiu da percepção e da inquietação de que muitos autorxs negrxs brasileiros contemporâneos “não vinham tendo a visibilidade necessária para que seus textos literários fossem conhecidos por um público leitor mais ampliado”.

Confira a entrevista completa com Vagner Amaro, co-fundador da editora Malê, concedida especialmente para a coluna Levantes Literários.

Cristian Sales: Como surgiu o projeto da editora Malê?

Vagner Amaro: A Malê surgiu da percepção de que muitos autores negros brasileiros contemporâneos não vinham tendo a visibilidade necessária para que seus textos literários fossem conhecidos por um público leitor mais ampliado. Embora existam muitos escritores negros e muitas escritoras negras, seus livros encontram mais dificuldades para participar da cena literária por diversos motivos, talvez o mais grave seja o desinteresse das grandes editoras, que leva estes escritores a fazerem publicações independentes ou em pequenas editoras, que não possuem um grande potencial de distribuição e divulgação dos livros que são produzidos.

Desta forma, fui tentando entender porque estes autores não estavam nos grandes eventos literários, não tinham seus textos incluídos nos livros didáticos, seus livros não estavam nas listas dos planos de distribuição de livros para escolas e bibliotecas, nas listas dos vestibulares, não eram e ainda não são conhecidos por muitos professores, não eram inscritos nos grandes prêmios literários, além de, em muitos casos, não estarem nas livrarias. Foi um ano de pesquisas para entender os motivos desta carência em relação à presença negra na literatura contemporânea, e ainda é um tema que pesquiso continuamente.

Algo importante para se afirmar é que a escrita literária produzida por autores negros nunca cessou. O primeiro romance brasileiro publicado foi O filho do pescador (1843), de Teixeira e Sousa, e a primeira romancista foi Maria Firmina dos Reis, que publicou Úrsula (1859), desde então, a literatura brasileira continua sendo marcada por tintas pretas, por escritores afrodescendentes.

É interessante analisar a insistência e as estratégias para invisibilizar esta produção. Esta invisibilidade se deu, em muitos casos, pela ocultação nas narrativas históricas, nos livros e documentos, da existência destes escritores, em outros, pela não menção de que eles são negros, nos textos e na iconografia, que os tornaram brancos, e atualmente, pelos entraves do mercado editorial, que ainda não está disposto a investir em autores negros brasileiros contemporâneos que resolvam produzir uma literatura que podemos conceituar como uma literatura negro-brasileira.

CS: Voltada exclusivamente a autorxs negrxs contemporâneos(as), como tem sido a recepção do mercado editorial brasileiro ao projeto editorial da Malê?

VA: A editora não foi idealizada para que durante toda sua existência apenas edite autores negros contemporâneos, até mesmo porque acreditamos que este cenário de certa invisibilidade para os escritores negros vai se modificar, que já está se modificando. Talvez em alguns anos, tudo que falamos sobre os problemas enfrentados pelos autores negros na literatura contemporânea não faça mais tanto sentido, fique apenas como um fato histórico, trabalhamos para isso.

Hoje a editora é assim, porque o Brasil é assim, um país em que o racismo afeta os indivíduos negros em todas as dimensões das suas vidas.

No momento priorizamos esta missão e enquanto for necessário será assim. Por outro lado, não acredito também que bastaria que os autores negros fossem absorvidos pelas grandes editoras. O que precisamos é potencializar as pequenas editoras que investem nestes autores, para que elas possam competir de igual para igual com as outras e também formar mais profissionais negros para a cadeia produtiva do livro.

Precisamos de mais diagramadores, capistas, revisores, editores, distribuidores, vendedores, livreiros, promotores de eventos literários que sejam negros.   Potencializar estas editoras pode ser feito de diversas formas, o edital de apoio a coedição de autores negros, lançado pela Biblioteca Nacional em 2013 é um bom exemplo disso, e garantiu a edição do livro Olhos d`água, que rendeu o primeiro Jabuti para a escritora Conceição Evaristo. Sem o edital, talvez não existiria o livro que representou um salto de visibilidade para a escritora.

A Malê é propositiva, surgiu para unir forças com editoras que já estão há mais tempo no mercado, com propósitos bem parecidos. Creio que esta atitude garante uma boa receptividade.


CS: Como será participação da Editora Malê na 15ª Festa Internacional de Paraty-2017?

VA: Lançaremos dois livros de poemas, um da escritora baiana Lívia Natália, Dia bonito pra chover, um livro lindo e potente sobre afetos, sobre o amor, sobre a urgência de, mesmo estando em combate, nesta aridez do nosso tempo, reservar espaço e energia para o amor, para a felicidade.

O outro livro de poemas é o da escritora carioca Cristiane Sobral, Terra negra. Cristiane aborda com muita coragem temas como o racismo e a vulnerabilidade da população negra, além de poetizar as diversas dimensões do amor.

A escritora Conceição Evaristo está na programação principal da Flip, se apresenta no domingo, dia 30, e isso já nos mobilizou para ter uma participação mais presente no evento. Lançaremos em parceria com o grupo de pesquisa Intelectuais Negras Escritas de Si, o catálogo digital Intelectuais negras visíveis, organizado por Giovana Xavier, dia 29, às 17 horas.

A programação elaborada pela curadora Josélia Aguiar tornou a Flip mais atraente para um público que não se sentia representado no evento, com isso, muitos autores que editam pela Malê passaram a desejar estar no evento, isso nos levou a pensar em um espaço que fosse um ponto de encontro, diálogo, convivência em torno da literatura afro-brasileira, para que estes autores que já estariam na Flip, pudessem lançar e conversar sobre seus livros, até mesmo inspirados pela trajetória do escritor Lima Barreto, que viveu situações que não se distanciam muito das que muitos autores negros ainda vivem no Brasil.

Temos um evento itinerante chamado Encontros Malê, assim chamaremos nossa programação de Encontros Malê em Paraty, ela será composta por lançamentos, sarau e rodas de conversa. Além disso, a escritora Cristiane Sobral faz uma sessão de autógrafos do livro O tapete voador, na livraria das Marés, dia 27, às 19 horas, e lança o livro de poemas Terra Negra, dia 29, às 14 horas na Casa Libre/Nuvem de livros.  Então é uma tentativa de estar junto, de celebrar este momento e ao mesmo tempo de marcar que nossos passos vêm de longe e que permaneceremos na luta pela igualdade no mercado editorial, assim como fizeram tantos que vieram antes de nós.

A programação dos Encontros Malê inicia com lançamento em Paraty do livro Poemas da recordação e outros movimentos, de Conceição Evaristo, no dia 29, às 15 horas.

CS: Em 2017, a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) homenageará o escritor negro brasileiro Lima Barreto (1881-1922). No atual contexto da literatura negra no Brasil, o que representa esta homenagem?

VA: A Flip já havia homenageado Machado de Assis, outro escritor negro, o Lima Barreto há muito tempo já faz parte do cânone da literatura brasileira, acho até natural que ele seja homenageado, o que a homenagem traz de novo está mais nos textos do Lima e a forma como ele expressava, o que enxergava da sociedade brasileira do seu tempo e as reflexões que podem surgir a partir da análise sobre o que ainda resiste desta sociedade, este Brasil que teima em não evoluir.

Neste sentido, a questão racial é apenas mais um ponto. No tempo em que estamos vivendo no Brasil, de um sentimento de esgotamento em relação aos modelos que incrementam as injustiças sociais, homenagear Lima Barreto é muito representativo, e acredito que a escolha não se deu por ele ser negro, mas por ele, sendo negro, estando na margem, ter traduzido tão bem o país, com um estilo corajoso e moderno, que modelou a escrita de tantos outros escritores.  Então, é a literatura que o coloca como homenageado, por ele ser um dos mais importantes escritores brasileiros. Talvez o que possa abrir caminhos para uma maior presença dos autores negros nos espaços privilegiados de divulgação literária é a composição da programação, a forma inovadora, ainda que tardiamente, com que ela foi pensada, em que os escritores não estão lá para falarem sobre sua condição de negro na sociedade, eles estão integrados à programação para, a partir das suas genialidades, conhecimentos e inteligências, trocarem ideias sobre literatura.

É muito triste quando um escritor negro é convidado para um debate literário e esperam dele apenas um testemunho ou análise sobre a condição do negro na sociedade, em detrimento de tantos conteúdos interessantes que ele possa apresentar sobre os temas relacionados ao fazer literário.

Neste sentido, a forma como a programação foi cuidadosamente estruturada pela Josélia Aguiar é um ponto altamente positivo. Que inspire outros eventos pelo país.

Entrevista concedida por email em 23 de julho de 2017.

* Cristian Sales é moradora da Ilha de Itaparica-BA, professora universitária, doutoranda em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia-UFBA, onde é integrante do projeto de pesquisa Traduzindo no Atlântico Negro (2014) e colunista do portal Correio Nagô. Para ler outros textos de Cristian Sales, acesse: http://correionago.com.br/portal/colunistas-nago/

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