“Sinto-me bastante aliviado após passar este prazo, pois eu nunca levei isso a sério. E mesmo assim, recebi tantas cobranças e falsas especulações”.
Esta foi a resposta dada pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, sobre o encerramento, em 5 de abril, do prazo para descompatibilização dos interessados em disputar cargos nas eleições 2014. A declaração foi dada nesta manhã, durante encontro do magistrado com diretores, professores e estudantes do Instituto Cultural Steve Biko, na Casa de Angola, em Salvador.
A afirmação do ministro deixou claro que não era a sua intenção afastar-se do STF para candidatar-se à presidência nas próximas eleições, conforme muitas especulações, inclusive com inclusão do seu nome em pesquisas eleitorais. Em fevereiro de 2014, por exemplo, o jornal Folha de São Paulo publicou pesquisa do Datafolha em que o ministro aparecia com 14% das intenções de votos e poderia ajudar a forçar a realização de um segundo turno, algo que vem sendo descartado nas pesquisas com a presença apenas de dois candidatos adversários à reeleição de Dilma Roussef (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).
Contudo, o ministro deixou uma margem de esperança para aqueles que desejam vê-lo, no futuro, em cargos do Executivo, como quem sabe, na presidência da República. “Em breve ou daqui a dois ou três anos eu terei uma vida pós Supremo Tribunal Federal. E então, sem as amarras do cargo, poderei cogitar uma participação em outros espaços políticos. O mais importante é manter a liberdade para decidir”, declarou.
Joaquim Barbosa integra a mais alta corte do Brasil desde 2003, quando foi nomeado pelo ex-presidente Lula. Em novembro de 2012 assumiu a presidência do Tribunal, em meio à popularidade que ganhou no julgamento do chamado “mensalão”, do qual foi o relator. Sobre ter se tornado uma grande referência de empoderamento para a população negra, especialmente os jovens, o ministro mostrou-se modesto. “Ser referência me deixa muito feliz. Mas sem ilusões. Acredito que seja momentâneo e espero que venham outras cabeças, outras lideranças. Espero que agora talvez seja mais simples para outros. Não seja tão espinhoso como foi para mim”.
Ainda sobre a satisfação da comunidade negra com a sua presença no STF, o ministro relembrou a sua posse em 2003. “Pela primeira vez aquela cerimônia, tradicionalmente dominada pelas elites, foi invadida por pessoas simples, muitos negros, amigos, familiares e militantes. Foi uma bela festa cívica”. Questionado sobre o racismo que ainda o acompanha, foi taxativo: “Minha única preocupação em qualquer espaço que ocupei era fazer bem, não cometer erros. Refletir bastante, me aprofundar. Pois sempre soube que as cobranças sobre mim seriam muito fortes. Então, sempre separei muito bem uma vida pública, exercida com muito rigor, e uma vida privada, pessoal, muito recatada”.
Estiveram presentes também a desembargadora aposentada, Luislinda Valois; a procuradora de Justiça Márcia Virgens; o diretor da Casa de Angola Camillo Afonso; Dona Zildete dos Santos Pereira, do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas e o vereador de Salvador, Sílvio Humberto (PSB), fundador e presidente de honra da Steve Biko.
Durante o encontro, o ministro Joaquim Barbosa ouviu relatos sobre a trajetória de 22 anos de ativismo do Instituto Cultural Steve Biko, focado no acesso à educação para jovens negros e dialogou com estudantes e egressos que deram depoimentos das transformações vividas após a passagem pela Biko. “Com certeza, estamos vivendo um momento de construção de um novo país, mais democrático, com respeito à diversidade e a sua presença do Supremo Tribunal Federal só fortalece esse momento histórico que estamos vivendo”, disse ao ministro o diretor executivo do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério Nunes, convidado a dar seu depoimento como egresso do Projeto Mentes e Portas Abertas (POMPA), da Steve Biko, há dez anos. Foram justamente Paulo Rogério e a jornalista Maíra Azevedo (Grupo A Tarde), também egressa do POMPA, que fizeram os principais questionamentos à Barbosa, incluindo o tema da candidatura, racismo e o debate sobre o marco civil da internet.
Ao final, o ministro foi convidado a integrar a rede de apoio à instituição, que sonha com a inauguração da sua sede própria e a implantação da Universidade Steve Biko. Joaquim Barbosa foi, então, nomeado como mais um “bikudo”, nome dado a todos que acreditam nos ideais de empoderamento negro por meio da educação e da luta por oportunidades e justiça. Sem dúvidas, uma importante referência para os demais bikudos.
Por André Santana, especial para o Correio Nagô