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Encruzilhadas ao Humanismo

Encruzilhada ao Humanismo

Esse diálogo emerge na busca do entendimento e contribuição com outra epistemologia da ciência e conhecimento contemporâneo que propõem como reflexão rever os séculos de ex/apropriação da ciência dos povos na África e na América, apesar de saber-se que a história é sempre contada do ponto de vista do vencedor.

Caminhar sobre o processo histórico seria um bom passo, já que a ciência e as técnicas desenvolvidas pelos povos africanos e indígenas são omitidas na história contada desde a descoberta do formato geoide da Terra até seus movimentos de rotação e translação, conhecimento este detido pelos egípcios, incas e outros povos muito antes das conclusões de Galileu Galilei. Sabendo-se que a matemática foi desenvolvida na África Setentrional habitada pelos povos árabes.

Num possível reconhecimento das ciências e técnicas, se caminharia a outra epistemologia de desenvolvimento da humanidade entre diferentes sociedades, já que na atualidade povos africanos e indígenas não são o centro das sociedades capitalistas, gestoras do Estado moderno de princípios democráticos legalistas das atrocidades humanas, impossibilitando condições de vida dos povos em territórios na África e América, pelo genocídio humano legalizado sobre os espaços para a manutenção do capitalismo em sua forma real.

O processo daria as condições também de reparação humana ao extermínio de povos nas Américas e ao atentado contra milhões de africanos pelo tráfico, mortes na travessia do Atlântico sem registro quantitativo e os mais de dez milhões que aportaram pela América, de Norte a Sul, oficialmente quatro milhões no Brasil.

O pensador angolano

O pensador angolano

Contudo, o escravismo legal ergueu sociedades como a brasileira, a qual esperou quinhentos anos para dar os primeiros passos de direito à humanidade as pessoas negras. Nesse século, as instituições do Estado racista caminham por mudanças contra a exclusão e a violência pela não efetivação do direito constitucional ao indivíduo negro.  São passos que objetivam reduzir a exclusão e as desigualdades alicerçadas no pensamento homogêneo ocidental-cristão, ideia para a vida social patrimonialista hereditária em raça pura.

A busca pela nova epistemologia se encontrou com as encruzilhadas das ideias e conhecimentos durante o SETED-ANTE[1] (Congresso Internacional de Geógrafos), na região da Galiza-España, os pensamentos ali expostos levaram todos a uma interrogação ao final. Estamos diante do fim do capitalismo?

A interrogação persistiu nos debates realizados no III Lusófono[2] (Congresso Internacional de Educação Ambiental), em Torreira-Portugal, as comunicações não se distanciaram daquelas que produziram a ideia de fim do capitalismo, em Santiago de Compostela. Os caminhos apresentados pela maioria dos presentes não propõem mudança nas estruturas e formas sociais atuais, são continuístas da dominação de pequenos grupos humanos sobre o natural em busca da qualidade de vida e nesse caminhar é colocado o fim ao sistema capitalista real.

Mas, a conferencista Dra. Sandra Manuel[3], mulher negra moçambicana, grande pensadora e escritora contemporânea, representante da minoria no Lusófono chamou a atenção de todos em sua conferência[4], acerca do capitalismo real e as condições humanas do presente: qual será a humanização que alcançaremos? Que redução pode ocorrer na ex/apropriação humana sobre o natural?

Para Sandra, as sociedades capitalistas vivem a encruzilhada humana sobre as formas de uso do natural no desenvolvimento. É o dilema na vida dos africanos e ocidentais: os primeiros são pressionados a passar da relação tradicional com a natureza para o domínio do técnico-científico e mercantil da natureza; quanto aos não africanos o desafio de estabelecer a cultura mística sobre a natureza para a qualidade de vida.

O pensamento de Sandra Manuel ajuda na compreensão do que está no centro do debate dessa outra epistemologia, mostrando as contradições sobre o fim do capitalismo e os processos alcançados até o momento como sucessão em modelos de qualidade de vida. A contradição se dá na democracia que exclui a maioria humana pelo não aprofundamento sobre as diferenças e quais os graus de desenvolvimento precisos para a humanização das ciências e técnicas, o que dificulta focar na sociedade do fim do capitalismo a superação da democracia legalista do genocídio humano contra todos que não compõem o pensamento atual patrimonialista hereditário da vida.

Enfim, fica claro que na encruzilhada, as ideias e formas serão contraditórias pelo não questionamento da diferença no movimento do capital e instituições na ocupação dos diferentes espaços, não podendo as configurações territoriais serem vistas pela homogeneidade como observou Milton Santos ao escrever sobre a Metamorfose do Espaço Habitado.

Os projetos neocoloniais globalizados apresentados às sociedades na África e América objetivam a mudança das formas de ocupação do território pelos povos tradicionais e indígenas, que se mantiveram nos séculos resistentes às invasões e são sobreviventes das divisões territoriais pela ex/apropriada que até o momento modelou o continente africano em 55 Estados-Nacionais. Mas, no continente com a segunda maior população do planeta sobreviveram as formas e relações de respeito integrado do viver pela naturalização do humano.

Os países criados para legalizar a democracia ocidental na África e América, em sua maioria, atendem as ideias exógenas e são violentados pelo poder econômico e político que usurpam os bens naturais, dando continuidade à acumulação de capital para minorias ao norte e disseminação da miséria na vida dos povos ao sul.

Portanto, a encruzilhada humana se desenha pela interrogação quanto à existência do desejo e da vontade em olhar o processo histórico para prover humanidade aos territórios estabelecidos pela desumanidade. Em uma nova forma de relações humanas, haverá contundência sobre as diferenças e garantias de direito aos povos violentados ao Sul, devido à acumulação de capital e poder aos poucos reconhecidos como humanos ao Norte?

Outra epistemologia caminha sobre as ideias e pensamentos do fim do capitalismo e qualidade de vida para a maioria dos grupos humanos, os quais é preciso uma passagem pelos graus de conhecimento das identidades de pertencimento humanístico dos povos na África, na América, na Ásia e na própria Europa.

Tudo que for distante desses princípios será contraditório às relações de vida tradicional contemporânea dos povos que se reconhecem na tradição e os indígenas que se desenvolvem pela integração direta com a natureza não precisando da sua mistificação. É o que fazem os Povos Andinos, seguidos também pelos Movimentos de Mulheres Negras na América do Sul (do México ao Uruguai, já que o latin é exógeno), que defendem o Bem Viver diferenciando-os dos gestores do capitalismo em sua forma real em bens e consumo. No cotidiano é a tradição que dá vida e alimenta o combate às misérias da democracia capitalista.

Assim, o Bem Viver contribui para outra epistemologia e ajuda a encontrar condições de princípios humanísticos, que certamente se diferem das categorias de “classes sociais”, atual base humanista do pensamento ocidental anticapitalista para a qualidade vida.

Por Diosmar Filho, geógrafo, professor e pesquisador. E-mail: ptfilho@gmail.com

NOTAS

[1]  II Congresso Internacional SETED-ANTE – “Seminario Estado, Territorio e Desenvolvemento” O Goberno dos Territorios. 1 – 3 Xullo 2015, Paraninfo da Facultade de Xeografía e Historia – Universidade de Santiago de Compostela, España.

[2] III Congresso Internacional de Educação Ambiental dos Países e Comunidades de Língua Portuguesa – “Educação Ambiental e Participação Social: travessias e encontros para os bens comuns”. De 08-11.07.2015, Torreira – Murtosa, Portugal.

[3] Antropóloga, pesquisadora, escritora e docente titular da Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique.

[4]  Diversidade e Educação Ambiental na Lusofonia: Repensando Pensamentos Epistemológico.

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